Inquérito
aponta que o distrital Cristiano Araújo teria participado de fraude em
processo de seleção no qual a beleza parece fundamental
Com apelido de criança e jeitão de adolescente, o deputado distrital Cristiano Araújo (PTB), de 30 anos, está longe de ostentar a pureza da infância. Um inquérito policial ao qual VEJA BRASÍLIA
teve acesso na íntegra revela que Toddynho - a alcunha vem do seu
hábito de tomar a bebida no intervalo das sessões legislativas - está
metido em uma encrenca de gente grande. Há evidências da participação
dele no esquema criminoso que fraudou o Programa de Bolsas de Pesquisas,
Edital nº 9/2012, direcionado a estudos sobre empreendedorismo.
O
projeto era coordenado pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP),
subordinada à Secretaria de Ciência e Tecnologia do GDF. Entre outubro
de 2011 e abril de 2012, Araújo foi o titular da pasta. O resultado do
Edital nº 9 saiu em julho do ano passado, mas a seleção viciada teria
ocorrido antes, durante sua gestão no governo. Em novembro de 2012, a
Polícia Civil realizou a Operação Firewall II. Houve seis prisões, mais
apreensão de computadores e documentos. Desde então, a Delegacia de
Combate ao Crime Organizado (Deco) colheu trinta depoimentos e
conseguiu, com autorização da Justiça, fazer interceptações telefônicas.
O
resultado das investigações está contido em 43 páginas, que reúnem nove
testemunhos e a transcrição de onze escutas telefônicas, além de
documentos que revelam o caminho da fraude e apontam a participação dos
envolvidos.
No organograma do crime, segundo a polícia, Cristiano Araújo
estava no topo. Seria responsável pela indicação de nove dos 21
aprovados no concurso. Durante o processo, diz o inquérito, assessores
de Araújo e dirigentes da FAP cuidaram para que a seleção fosse de
fachada. Na base, estavam as pessoas escolhidas para as vagas de
emprego.
Várias
delas são mulheres que tinham como principal atributo a beleza. Uma
planilha apreendida no computador de Luiz Fernando Raye Puppi de Lelles,
coordenador do Edital nº 9 e amigo do então diretor-presidente da FAP,
Renato Caiado de Rezende, é reveladora. Em uma coluna estão citados os
“beneficiários” das bolsas de pesquisa. Em outra, chamada de
“indicação”, as iniciais dos padrinhos políticos. A sigla CA aparece na
frente de nove nomes.
CA
quer dizer Cristiano Araújo, segundo afirmou aos policiais uma
integrante da comissão de avaliação do Edital nº 9, Lucilane de França
Carneiro. “(Ela) não pestanejou em reconhecer tal documento como sendo
aquele elaborado antes mesmo da publicação do edital”, revela trecho do
inquérito. A servidora contou que viu o papel sobre a mesa da sala de
Dilermando Rodrigues, na época assessor especial de gabinete da FAP.
Lucilane
ainda garante no documento que D é de Dilermando, RR é Renato Rezende
(último nome de Renato Caiado) e GB é Gustavo Brumm, a quem Araújo
designou subsecretário de Ciência e Tecnologia. Outro relato que
denuncia a malícia dos gestores públicos é o da então superintendente de
Difusão Científica e Tecnológica da FAP, Vera Lúcia Moreira. O
presidente da fundação confiou pessoalmente a Vera a missão de “atender”
e “orientar” as pessoas que seriam contempladas com vagas de até 4 000
reais. Segundo Vera, os indicados “tinham uma dificuldade enorme de
elaborar o pré-projeto”. Mas, com a assessoria dela, todos tiraram nota
9, o que obviamente levantou suspeita e foi questionado pelos demais
candidatos à época. A assessora Vera admitiu aos investigadores que
recebeu em sua casa a candidata Thálita Assis, “para que fosse ajudada”.
A loira de contornos estonteantes, estudante de enfermagem do UniCeub, é
ex-namorada de Wagner de Souza Ferreira. Ele é agente penitenciário e
por causa de seu contato com Dilermando, da FAP, teria emplacado não só a
ex-namorada mas outros dois falsos candidatos no Edital nº 9. Na
planilha elaborada com os nomes dos escolhidos, Thálita está associada à
letra D, de Dilermando.
Já Tatielly Valadares Santos é uma das sete mulheres cujos nomes aparecem vinculados às iniciais de Cristiano Araújo.
Há ainda dois homens relacionados a ele. Tatielly, ex-dançarina do
programa Caldeirão do Huck, da Globo, disse em depoimento conhecer
Renato Caiado e que, por intermédio dele, se inscreveu na seleção. Era
estudante de direito do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), e
teria pedido emprego a Renato Caiado, então reitor da UDF. Thálita e
Tatielly são de Unaí e ambas receberam as orientações da superintendente
Vera.
A
partir dos flagrantes de irregularidades, o delegado-chefe da Deco,
Henry Peres de Ferreira Lopes, pediu nove vezes o indiciamento de
Cristiano Araújo, referente a cada uma das indicações políticas do
deputado. Ele é enquadrado nos crimes de formação de quadrilha e
frustração do caráter competitivo da licitação. “Encontramos evidências
técnicas a partir de provas documentais, do Instituto de Criminalística,
e testemunhais do robusto envolvimento dos citados no inquérito.” Dez
gestores já foram indiciados. No caso do distrital, isso ainda depende
de autorização do Conselho Especial da Magistratura. A Promotoria de
Fundações do Ministério Público do DF acompanha o caso. Os candidatos
foram preservados, já que houve cancelamento da seleção antes que eles
recebessem dinheiro público.
Cristiano
Araújo afirma que não teve acesso ao inquérito e que, por isso, não
pode falar sobre o assunto. “Dizer que eu participo de quadrilha?
Francamente, né?”, limitou-se a declarar.
Fonte: Revista Veja online - Lilian Tahan