A visita da dissidente Yoani Sanchez merece um minuto de reflexão e debate
Conheço
militantes com uma história respeitável e uma postura de coragem
confirmada que defendem a tentativa de boicotar a visita da blogueira.
Mas discordo dessa visão.
Mesmo no Palácio do Planalto de Dilma Rousseff já se define a
perseguição de militantes da juventude do PC do B e de fatias do PT
contra Yoani Sanchez como uma nova edição da Operação Tabajara, aquele
quadro trapalhão que fez história entre os Cassetas & Planetas.
Vejamos o enredo da história:
1. O conselheiro político da embaixada de Cuba convoca uma reunião
secreta, para organizar uma espécie de boicote contra aquela que se
tornou a mais conhecida dissidente do regime cubano;
2. Entre os presentes, encontra-se um funcionário do Planalto que tinha
ido à embaixada para outro compromisso, mas é colocado de improviso
num encontro reservado;
3. Outro convidado só estava ali para espionar e fornecer informações
supostamente secretas para o inimigo – como se veria mais tarde, quando a
revista de maior circulação do País publicou uma detalhadíssima
reportagem sobre o evento;
4. Mesmo com a divulgação de toda a história com antecedência, a
operação foi mantida, transformando-se num show de constrangimentos;
5. Ativistas e militantes que tentavam boicotar os eventos marcados
para recepcionar Yoani foram obrigados a justificar por que achavam que
tinham o direito de atazanar a liberdade de expressão da dissidente e,
ao mesmo tempo, defender sua própria liberdade de expressar-se contra
ela;
6. Candidata a fazer uma visita em situação de semi-obscuridade, Yoani
tornou-se protagonista destacada no debate político. Em condições
normais, dificilmente se poderia imaginar que fosse capaz de polarizar
uma discussão política no País. Mas Yoani até se sentiu no direito de
dar pito no governo brasileiro, reclamando que ele não dá importância
aos direitos humanos em Cuba.
Não vamos ser ingênuos. Yoani Sanchez é uma adversária das conquistas
da revolução cubana e, de uma forma ou de outra, recebe sustentação de
instituições estrangeiras que pretendem estimular uma transição
socialmente regressiva em seu país.
Compreendo, então, que se queira debater a atuação de Yoani Sanchez e
seus aliados. Por trás dela, há uma operação de vulto, capaz de mudar a
relação de forças no continente, mais favorável a Washington. Perfeito.
O debate não é este, porém.
Dilma e Lula têm mantido uma política correta de não-intervenção em
assuntos internos da vida cubana. Seu governo tem feito o possível para
construir uma liderança alternativa a Washington no continente – com
resultados inegáveis, mesmo para observadores adversários.
Essa atuação implica em respeitar as decisões internas de todos os
países, inclusive do governo cubano e tratá-las no plano das relações
entre estados soberanos.
Lula e Dilma não param de tomar porrada da oposição conservadora por causa disso.
Imagine quantos pontos Dilma perdeu junto a essa turma ao lembrar que
quem lhe pedia para falar de direitos humanos em Cuba deveria, antes,
perguntar a Washington sobre a masmorra de Guantánamo.
Mas a postura do governo brasileiro só é defensável porque implica em respeitar os direitos democráticos dos dissidentes.
Por essa razão Brasília deu a Yoani autorização para vir ao Brasil e não colocou nenhum obstáculo a sua visita.
Desse ponto de vista, pouco importa o que o governo do Raul e Fidel Castro pensa de Yoani.
Importa garantir que, em visita ao País, ela possa usufruir das
liberdades asseguradas pelas leis brasileiras. Soberania é um conceito
de mão dupla. Vale para Cuba e também para o Brasil.
O bullying contra Yoani só ajuda os adversários de Dilma e de Lula a
dar verossimilhança à permanente campanha para apontar supostos traços
autoritários num governo que respeita a liberdade como poucos, ampliou
direitos dos fracos e necessitados e jamais modificou a constituição
para atender a interesses próprios.
A experiência política universal ensina que os governos que pretendem
falar em nome do cidadão comum devem ter uma postura exemplar de
respeito à democracia e à liberdade. A razão é simples: os mais fracos e
desprotegidos são os primeiros a serem feridos quando os direitos
democráticos são atingidos. Cedo ou tarde, são os principais
prejudicados. É uma questão de relação de forças, vamos combinar.
Não custa lembrar que essas comédias cubanas não são inéditas.
Nos anos 60, o governo Goulart teve uma postura corajosa de resistência
às pressões do governo John Kennedy para que rompesse relações com o
governo de Fidel. Enfrentou ameaças diretas do governo americano e,
conforme o professor Muniz Bandeira, essa postura independente foi
decisiva para que a Casa Branca resolvesse ajudar o golpe de 1964 com
todos os recursos que possuía: dinheiro, publicidade milionária na mídia
e auxílio militar.
Mas Jango também tinha adversários internos.
Mas Jango também tinha adversários internos.
Aliados de Fidel Castro chegaram a montar campos de guerrilha no País,
num radicalismo que levou o próprio Goulart – adversário resoluto das
pressões americanas contra a revolução cubana – a denunciar o fato a
Havana, como uma traição. Chato, né...
A queixa de Jango é que em Washington lhe arrancavam o couro por ajudar
a revolução cubana e, em troca, era golpeado por quem deveria
demonstrar um pouco mais de consideração.
(Curiosidade: Che Guevara, a caminho de se tornar o mito, discordava
dos guerrilheiros brasileiros, por considerar que a luta armada era
inviável contra um governo democrático.)
Nós sabemos quem ganhou com isso, utilizando cada um desses episódios
em sua propaganda, para assustar e confundir o cidadão comum, aquele que
compreende o valor da liberdade e o respeito às regras democráticas e é
capaz de se mobilizar em sua defesa. Embora fosse um defensor da
democracia, os adversários acusavam seu governo de preparar um golpe –
tentando, por isso, justificar a conspiração militar de 64.
Este é o ponto. Defender a mais ampla democracia é obrigação – eu diria privilégio – de quem fala em nome da maioria.
Fonte: ISTOÉ - Coluna Paulo Moreira Leite - Por Paulo Moreira Leite
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