Personalidades contam ao GLOBO como encararam a decisão do julgamento do Mensalão
Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ayres Britto |
No dia em que os condenados no processo do mensalão começaram a ir para
a cadeia, cientistas políticos, artistas, um ex-ministro do Supremo e
uma ativista no combate à corrupção contaram ao GLOBO como veem esse
momento do país. Para o ex-ministro Ayres Britto, o “processo foi
marcado pela legitimidade em toda a sua discussão”. Líder do Movimento
de Combate à Corrupção Eleitoral, Jovita Rosa diz que espera que a moda
pegue. Mas há também quem diga que condenações por indício “ferem o
Estado de Direito”.
Carlos Ayres Britto - Ex-ministro do Supremo
“Eu não tenho falado desse caso. Fiz o que tinha que fazer. Coloquei o
processo para julgamento, presidi 50 das 53 sessões, montando a espinha
dorsal do processo, nos seus núcleos financeiro, político, publicitário.
O Supremo se dispôs a formatar o processo com começo, meio e fim. Essa
decisão comprova esse propósito do Supremo.
O dia de hoje confirma que a história processual se desenvolveu com
tecnicalidade, isenção, sem perseguição ou favorecimento, como tem que
ser julgado. Foi um processo marcado pela legitimidade em toda a sua
discussão, como era de se esperar.
Essa decisão do Supremo corresponde àquilo que está na Constituição, no
Código Penal e Processual Penal, atuando dentro dos marcos
institucionais. Como todo o processo foi impessoal, minha opinião é
rigorosamente técnica.”
Tiago Bottino - Coordenador da graduação da FGV Direito/Rio
“Acho importante ter esse exemplo de que não são só pobres que são
condenados e cumprem pena. Agora, o mais importante é não acreditar que
porque funcionou (a condenação dos mensaleiros) as coisas mudaram.
Acredito que mais importante agora seria acompanhar a Meta 18, do
Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que estabeleceu julgar até o fim de
2013 os processos de corrupção ajuizados até 2011. As pessoas não podem
achar que o país mudou. É um caso e o país não é um caso. Tem muitos
outros ainda não julgados. Espero que a partir desse julgamento que
sejam colocados em pauta outros casos de corrupção na política, que
esses crimes que não são visíveis sejam priorizados. É preciso que haja
mobilização para outros casos. também.”
Zuenir Ventura - Escritor e Colunista do GLOBO
“Eu acho que o Brasil tem uma coisa curiosa. Ele é meio ciclotímico.
Tem momentos de altos e baixos. Esse é um dos grandes momentos de alta.
Mas para ele se completar teria que agora ver também o caso mensalão
mineiro. De qualquer modo, é um acontecimento exemplar. Para quem
acreditava que não iria acabar em nada, foi uma agradável surpresa. Mas
ainda não sei se algo vai mudar na política. Mas ao menos muda a imagem
do Supremo Tribunal Federal na sociedade. Aquela sensação de que nada
vai acontecer foi interrompida bem como a crença de que não adianta
denunciar porque a justiça só condena a negros e pobres. Isso é uma
coisa nova na história do país.”
Antonio Corrêa de Lacerda - Professor de Economia da PUC/SP
“A decisão mostra uma grande incoerência do Supremo, uma vez que
aceitou os embargos infringentes, questionando a necessidade de
condenação dos réus. O processo não está com trânsito em julgado.
Seguindo o rito do Judiciário, a lógica é que julgasse os embargos
primeiro. Foi uma atitude precipitada. Ou então não deveria aceitar os
embargos, se tinha certeza da necessidade de prisão.”
Claudio Botelho- Diretor de teatro
“Acho histórico. A gente não podia ter perdido a chance de mostrar para
o Brasil que as consequências são iguais para quem está lá em cima,
para quem rouba um pão ou assalta pessoas na Avenida Copacabana.”
David Fleischer - Cientista político
“É um sinal forte para a classe política e para a população de que o
Judiciário vai colocar corrupto na prisão. É um bom sinal, mas o país
tem muito para andar. Vamos ver, por exemplo, como será o rigor da
Justiça Eleitoral com os fichas-sujas. Agora, a partir desse julgamento,
pode ser que aconteçam os julgamentos do mensalão do PSDB, do DEM e que
seja investigada a propina em São Paulo. Acredito que os políticos
fiquem mais cautelosos, mas é necessário ficar atento para saber se vão
criar mecanismos mais sofisticados de corrupção.”
Paulo Betti - Ator
“Para mim, esse julgamento foi muito mais midiático. Não estou achando
essa maravilha, não. Enquanto não me explicarem por que não julgaram o
mensalão de Minas, que existiu e aconteceu antes, vou achar que esse é
um julgamento absolutamente político e conveniente.”
Geraldo Tadeu Monteiro - Cientista Político do Luperj
“As prisões simbolizam uma vitória inquestionável do Estado Democrático
de Direito. O processo do mensalão foi uma espécie de grande teste para
as instituições jurídicas e políticas do país. Demonstra que todo o
cidadão tem que ser tratado com a isonomia das leis inclusive se forem
pessoas influentes. A decisão é inquestionável. Para a política nacional
é uma evolução muito importante. Eu diria que esse episódio para as
instituições é até mesmo mais importante que o impeachment do
ex-presidente Fernando Collor de Mello. Tem importância no mesmo nível
da lei da Ficha Limpa.”
Luiz Carlos Barreto - Produtor de cinema
“Dizem que esse julgamento é um momento histórico, mas não no sentido
que querem dar, de que estão prendendo pessoas importantes, mas um
momento histórico do casuísmo. Nunca vi um julgamento tão político. O
fato de a primeira lista de ordens de prisão incluir o José Dirceu e o
José Genoino significa que é um ato político, e não jurídico. Não sou
especialista em Direito mas, como já disseram autoridades na área, como o
jurista Ives Gandra Martins, que declarou em entrevista que não há como
fazer uma condenação sem provas materiais e testemunhas, isso prova
mais uma vez que o Supremo, uma instituição altamente respeitável, está
enveredando por um caminho perigoso. Eu, como cidadão brasileiro, me
sinto ameaçado de ser condenado por indícios e suposições. Isso fere o
Estado de Direito. É um momento muito triste da História brasileira.”
Luiz Werneck Vianna - Cientista social
“Acredito que um capítulo foi virado na história republicana
brasileira. O poder político não está acima de tudo. Se existem mandatos
de prisão meu único comentário é: cumpram-se.”
Jovita Rosa - Líder do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
“A gente espera que a moda pegue. Temos outros processos que o STF
precisa colocar em pauta. Não dá mais para tolerar que quem desvia verba
pública fique impune.”
Fonte: O Globo
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