A empresa obteve um contrato com o Supremo usando atestado fajuto
Em 1º de agosto deste ano, a Partners – empresa mineira que, como
revelou ÉPOCA em sua última edição, é suspeita de pagar propina a dois
assessores do ministro da Fazenda, Guido Mantega – conquistou seu
segundo grande cliente em Brasília. Naquele dia, o Supremo Tribunal
Federal (STF) assinou contrato com a Partners, no valor de R$ 3,8
milhões anuais, para a prestação de serviços de assessoria de imprensa e
comunicação interna. Pelo contrato, a Partners assumiu o pagamento de
salários de 35 jornalistas e funcionários que já trabalhavam no STF,
terceirizados para uma outra empresa, que falira. Para ganhar o cobiçado
contrato, a Partners apresentou documentos conhecidos como “atestado de
capacidade técnica”. ÉPOCA descobriu, porém, que o principal atestado
entregue pela Partners contém uma fraude. Ele foi assinado em junho
pela gerente de Recursos Logísticos do Ministério da Fazenda, Sandra
Vidal. Nele, Sandra escreve que a Partners emprega, na Fazenda, “um
quantitativo aproximado de 25 profissionais”. Isso daria à empresa
capacidade para assumir um contrato com 35 funcionários. Ocorre que essa
informação é falsa.
FRAUDE O atestado de capacidade técnica entregue ao Supremo (na foto maior, o plenário do STF). O texto diz que a agência Partners lidava com 25 profissionais, quando na verdade eram 13 |
Como ÉPOCA revelou, o Ministério da Fazenda conta efetivamente com 13
jornalistas empregados pela Partners, embora declare empregar 21
profissionais. A prestação de contas entregue pela Partners à Fazenda é
fraudada, todo mês, com contracheques de funcionários da Partners que
atendem, na verdade, outros órgãos públicos, como a Cemig, distribuidora
de energia em Minas Gerais, ou a Comissão de Valores Mobiliários, no
Rio de Janeiro.
A fraude, segundo disse a ÉPOCA a secretária Anne Paiva, que trabalhava
no escritório da Partners em Brasília, permitia que a empresa
superfaturasse o contrato de R$ 4,4 milhões anuais. Em troca, afirmou
Anne, a Partners pagava dinheiro a Marcelo Fiche, chefe de gabinete de
Mantega, e a Humberto Alencar, adjunto de Fiche e fiscal do contrato.
Anne disse a ÉPOCA que entregou dinheiro vivo quatro vezes aos dois
assessores, num total de R$ 60 mil. Segundo Anne, o Ministério da
Fazenda pagava a fatura mensal da Partners, a empresa repassava uma
parte do depósito à conta pessoal de Anne e, ato contínuo, ela sacava o
dinheiro e o entregava aos assessores. Anne entregou a ÉPOCA documentos
internos da empresa, como comprovantes bancários, e-mails e uma mensagem
de Skype, em que o diretor financeiro da Partners, Vivaldo Ramos,
determinava que ela entregasse propina a Humberto Alencar.
Na semana passada, após a publicação da reportagem, Fiche e Alencar
foram afastados do cargo. Oficialmente, tiraram férias “para poder se
defender” – ambos negam as acusações. Na prática, não voltam mais ao
ministério, salvo se forem inocentados nas investigações oficiais que se
iniciaram em razão das denúncias. Além de uma sindicância interna,
Mantega enviou ofício ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para
que a Polícia Federal investigue o caso. A Procuradoria da República no
Distrito Federal investigará as fraudes, em apurações criminais e
cíveis. O mesmo fará o Tribunal de Contas da União. No Congresso, a
oposição quer ouvir os dois ex-assessores de Mantega. O Ministério da
Fazenda estuda cancelar o contrato com a Partners. O Supremo também.
DESCANSO
Marcelo Fiche com a atriz Megan Fox, no Carnaval de 2012. Oficialmente, ele tirou férias – “para poder se defender”
Marcelo Fiche com a atriz Megan Fox, no Carnaval de 2012. Oficialmente, ele tirou férias – “para poder se defender”
Por que a Partners queria tanto um contrato no STF? Trechos inéditos do
depoimento de Anne Paiva a ÉPOCA dão pistas das razões. “A empresa
(Partners) tem ligação com o Marcos Valério (operador do mensalão,
condenado pelo Supremo)”, disse Anne. “Eu e as funcionárias da empresa
em Belo Horizonte vivíamos nos comunicando pela internet. Sempre que o
Marcos Valério aparecia na empresa, elas comentavam. Falavam-me também
quando o Dino (Sávio, dono da empresa) conversava ao telefone com o
Marcos Valério. Ele aparece lá esporadicamente.”
O jornalista Dino Sávio prestou serviços de assessoria de imprensa a
Marcos Valério na crise do mensalão. Sávio diz não ter mais contato com
Valério – e nega o teor do depoimento de Anne. Um amigo de Valério
contou a ÉPOCA que testemunhou um encontro entre Sávio e Marcos Valério,
a que também estava presente o advogado Ildeu Pereira. Essa testemunha
viu os três juntos, num jantar no restaurante Vecchio Sogno, em Belo
Horizonte, em 2011. Ildeu Pereira é um velho conhecido de Valério. Em
2008, ele foi preso pela Polícia Federal no aeroporto de Sorocaba.
Carregava R$ 1 milhão, em dinheiro vivo, para corromper policiais, numa
operação em parceria com Valério, que também foi preso. Apesar das
prisões, Ildeu e Valério continuaram próximos. Em 2011, mesmo ano do
jantar no restaurante Vecchio Sogno, o Banco Rural, pivô do esquema do
mensalão, emprestou R$ 355 mil a Ildeu – e ele não pagou a dívida.
O que Sávio fazia ao lado de figuras como Ildeu e Valério, num momento
em que os dois ainda operavam juntos? “Dino (Sávio) me garantiu que
nunca esteve com Marcos Valério”, diz o advogado Antônio Carlos de
Almeida Castro, o Kakay. Um dos mais caros criminalistas de Brasília,
Kakay passou a defender a Partners. Procurado por ÉPOCA, o advogado
Ildeu Pereira confirmou que é advogado das empresas de Marcos Valério.
“Defendo as empresas dele em questões tributárias há uns 15 anos”,
afirmou. “Mas não conheço Dino Sávio nem participei desse jantar.”
Kakay afirma que a Partners é “vítima de alguém” e sugere uma espécie
de conspiração para derrubar Mantega. Ele garante que a Partners
colaborará com todas as investigações oficiais, mas não quis esclarecer
as fraudes nas prestações de contas apresentadas pela Partners ao
Ministério da Fazenda. Confirmou que a Partners repassava recursos à
conta pessoal da secretária. Disse, contudo, que uma das provas
entregues por Anne Paiva a ÉPOCA é falsa. Segundo ele, trata-se da
mensagem de texto, via Skype, em que o diretor Vivaldo Ramos determina
que Anne saque R$ 15 mil e entregue o dinheiro a Humberto Alencar. Kakay
forneceu um trecho de extrato com registros de Skype da Partners, em
que o diretor Vivaldo diz a Anne para “sacar amanhã cedo os R$ 5 mil que
entrarão na sua conta hoje e entregar-me, por favor”. Anne, segundo
ele, forjou a mensagem entregue a ÉPOCA.
ÉPOCA conversou com dois dos
mais experientes peritos da PF. Eles disseram não ser possível tirar
qualquer conclusão com base apenas no trecho de extrato apresentado pela
Partners.
Sandra Vidal, a gestora da Fazenda que assinou o atestado que permitiu a
Partners ganhar o contrato no STF, também não soube explicar as
inconsistências. Por que ela escreveu que a Partners tem 25 jornalistas
empregados na Fazenda? “Se fossem demandadas todas as horas, estariam se
desenvolvendo 25 profissionais. Quando você apresenta o atestado de
capacidade técnica, você apresenta na totalidade do serviço que foi
contratado. Porque nosso contrato é uma estimativa. Pode acontecer de
ter um mês com dez profissionais e, o outro, com 19.” De inconsistência
em inconsistência, fica mais difícil – ou mais fácil – entender o
sucesso da Partners na Esplanada.
Fonte: Diego Escosteguy e Marcelo Rocha - ÉPOCA.com
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