As
redes sociais fazem parte do novo modelo de relacionamento
interpessoal. Não existe contato pessoal, é tudo virtual, exceto as
ofensas e violações de direitos, estas reais e extremamente danosas à
honra e dignidade dos ofendidos. No Distrito Federal, nos últimos meses,
muito se discute acerca da existência de perfis falsos que foram
criados com o fim exclusivo de ofender a honra de pessoas honestas e
trabalhadoras. O propósito do presente texto não é identificar os
“fakes” ou analisar com qual objetivo – espúrio – os falsos perfis foram
criados. O escopo do texto é analisar as consequências que devem ser
suportados pelos criadores e pelas pessoas que alimentam o conteúdo de
falsos perfis.
As próprias empresas que hospedam conteúdo na internet, para não se
verem obrigadas a indenizar por atos de terceiros, têm facilitado a
identificação dos que se utilizam de perfis falsos.
No recente caso ocorrido em Brasília, os alimentadores, gerenciadores e
idealizadores dos falsos perfis, que ficaram conhecidos como “fakes”
tinham por motivação ofender os que criticavam uma determinada
autoridade política.
Todos que participaram da sanha difamatória são responsáveis pelos
crimes contra a honra que foram cometidos e ao que se tem notícia foram
muitos os crimes. Todos os que foram partícipes da trama dos “fakes”
também podem vir a ser responsabilizados civilmente.
Como estamos falando de ofensas aos direitos da personalidade e a regra
abraçada pelo Código Civil é da culpa como pressuposto da
responsabilidade, é preciso que se demonstre a culpa de quem de alguma
foram utilizou ou se envolveu na sórdida trama. Tal prova é fácil, pois
quem se vale de uma identidade – ainda que virtual – falsa age, sem
dúvida, com dolo, muito mais do que a simples culpa.
São espécies de ofensa aos direitos de personalidade os agravos à
honra, à imagem, à intimidade, ao recato e à tranquilidade social e
familiar. As ofensas ganham em gravidade, pois são retransmitida a um
sem número de pessoas em questão de instantes. É fato notório que o
Facebook, Twitter, e outras redes sociais são utilizados por substancial
percentual das pessoas, com destaque à sua capacidade de disseminação
de ideias em curto espaço de tempo.
Os tribunais brasileiros, cada dia com maior frequência, estão de
deparando com o tema. Em decisão tomada no dia 27 de junho de 2013, por
exemplo, o TJRS condenou uma pessoa que se utilizava de redes sociais
para ofender a terceiros a indenizar por danos morais. Confira:
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. CALÚNIA E DIFAMAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE TEXTOS EM REDE SOCIAL, COM
IMPUTAÇÃO DE CRIMES FUNCIONAIS À AUTORA. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO.
Incontroverso nos autos que o requerido publicou diversos textos na
internet, criticando a atuação da autora enquanto servidora pública,
inclusive com menção de que estaria em conluio com outras pessoas com
intuito de lucro, o que implica imputação de crime funcional, com nítida
intenção de ofender-lhe a honra, estão configurados os danos morais,
que são presumidos na hipótese, dispensando comprovação específica.
Direito à livre manifestação do pensamento que deve ser compatibilizada
com outros direitos fundamentais, dentre os quais a imagem, honra e
dignidade alheias. Condenação mantida. Quantum indenizatório. Redução.
Na fixação da reparação por dano extrapatrimonial, incumbe ao julgador,
atentando, sobretudo, para as condições do ofensor, do ofendido e do bem
jurídico lesado, e aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade,
arbitrar quantum que se preste à suficiente recomposição dos prejuízos,
sem importar, contudo, enriquecimento sem causa da vítima. A análise de
tais critérios, aliada às demais particularidades do caso concreto,
conduz à redução do montante indenizatório fixado para R$ 20.000,00
(vinte mil reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros
legais, conforme determinado no ato sentencial. Apelação do réu
parcialmente provida. Recurso adesivo prejudicado. (TJRS; AC
146454-85.2013.8.21.7000; Caxias do Sul; Décima Câmara Cível; Rel. Des.
Paulo Roberto Lessa Franz; Julg. 27/06/2013; DJERS 23/07/2013)
O mérito da decisão acima mencionada é que a condenação alcançou o
autor das ofensas. E é bom que assim seja. As empresas que hospedam
conteúdo só devem ser condenadas caso instada a excluir as ofensas ajam
com lentidão ou não façam a exclusão dos agravos à honra da rede mundial
de computadores. A lei deve alcançar os ofensores, àqueles que se
escondem por detrás dos falsos perfis.
E na internet a realidade cada vez mais é da disseminação das ideias,
especialmente quando alicerçadas em teorias conspiratórias, em desvios
praticados por ocupantes de cargos públicos, mesmo sem o maior controle e
conhecimento de quem vai repassando aquilo de que fica sabendo. As
vítimas dos “fakes” não possuem meios de se defender.
A gênese dessa compreensão (de que a liberdade da internet facilita o
compartilhamento de informações) é positiva, permite a democratização e
difusão de ideias, e não deve ser objeto de restrição abstrata e
genérica, mas de controle pontual, diante dos abusos que eventualmente
forem cometidos. A lei precisa ser aplicada com rigor, pois os “fakes”,
além de ofenderem a honra de pessoas que muitas vezes se veem indefesas,
maculam o ideal de democratização e difusão da informação.
Hoje em dia, com a velocidade com que as informações transitam pela
rede mundial de computadores, uma vez lançada uma ofensa, torna-se quase
impossível excluí-la da internet.
A responsabilidade dos que idealizaram, financiaram, gerenciaram e
alimentaram os falsos perfis é manifesta, especialmente diante do
caráter ultrajante e pejorativo das palavras utilizadas pelos “fakes”. É
nítido que possuíam intenção de ofender a honra das pessoas que elegiam
como alvo. O dolo, a vontade livre e consciente de ofender, se
manifesta pelo simples fato de terem se valido de perfis falsos, com a
ignóbil intenção de ocultar a própria identidade.
A livre manifestação do pensamento não é princípio absoluto, devendo
ser ponderado e compatibilizado com outros direitos fundamentais
previstos na Carta Magna, dentre os quais o direito à honra, imagem e
dignidade de terceiros. Deve, ainda, ser lembrado que o anonimato é
expressamente vedado pelo sistema constitucional vigente.
Daí por que deve o direito coibir de forma firme e consistente condutas
como a dos responsáveis pelos “fakes”, em que violado direito alheio.
O dano moral, no caso, se mostra in re ipsa, o qual se presume,
conforme as mais elementares regras da experiência comum, prescindindo
de prova quanto à ocorrência de prejuízo concreto.
No ensinamento de Rui Stoco (in Tratado de Responsabilidade Civil
Doutrina e Jurisprudência - 8ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT,
2011, p. 921) tem-se a compreensão da desnecessidade de prova, quando se
trata de dano moral decorrente de ofensa à honra:
Não há calúnia, difamação ou injúria sem que o comportamento ultrajante
tenha poder de atingir a honra e a imagem da pessoa, como partes
substanciais do direito de personalidade. Ofender a honra é o mesmo que
ofender a mora ou o patrimônio subjetivo da pessoa. E, nesse caso, basta
comportamento ultrajante para caracterizar a ofensa moral,
independentemente de qualquer comprovação. [...]
Então, o dano moral é decorrência lógica da ofensa à honra, dispensa
comprovação, ou seja, emerge in re ipsa do agravo sofrido e será sempre
devido.
Mas não é nem preciso o recurso da presunção. As aleivosias propaladas
pelos “fakes” ganharam grande repercussão no seio social, tanto que, ao
que constam de vários sites de notícias, até a Polícia Federal investiga
o caso.
As condenações indenizatórias precisam ser fortes, de modo que os
responsáveis e participantes da trama sintam-se penalizados e inibidos
de reincidir na deplorável atitude. Neste propósito, impõe-se que as
indenizações que vierem a ser fixadas atentem às condições do ofensor,
dos ofendidos e do bem jurídico lesado (honra e direito à verdade),
assim como à intensidade e duração do sofrimento das indefesas vítimas, e
à reprovação da conduta do agressor (que confunde a sociedade e
dissemina a perfídia e a mentira), não se olvidando, contudo, que o
ressarcimento da lesão ao patrimônio moral deve ser suficiente para
recompor os enormes prejuízos suportados pelos ofendidos, ainda que sem
importar em enriquecimento.
A dúplice natureza da indenização por danos morais vem ressaltada na
percuciente lição de Caio Mário, citado por Sérgio Cavalieri Filho, em
sua obra Programa de Responsabilidade Civil:
“Como tenho sustentado em minhas Instituições de Direito Civil (v. II,
n.176), na reparação por dano moral estão conjugados dois motivos, ou
duas concausas: I - punição ao infrator por haver ofendido um bem
jurídico da vítima, posto que imaterial; II – pôr nas mãos do ofendido
uma soma que não é o pretium doloris, porém o meio de lhe oferecer
oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de
ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material, o que pode ser
obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode amenizar a
amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo da vingança” (in:
Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004,
p.108/109, grifei).
Se as notícias de que os “fakes” foram patrocinados com recursos
públicos, ainda que por via indireta, a condenação deve ser mais
vigorosa, além da punição por improbidade administrativa e penal. Também
se deve cogitar a possibilidade de reparação por danos morais
coletivos.
Danos morais coletivos sim, porque os “fakes” disseminam a falsidade e a
mentira, suprimindo da sociedade um direito importantíssimo, o direito à
verdade. A mentira é a ofensa mais direta à verdade. Mentir é falar ou
agir contra a verdade para induzir em erro. Ferindo a relação do homem
com a verdade e com o próximo, a mentira ofende a relação fundante do
homem com o seu semelhante. Uma “pequena mentira”, por exemplo, entre
marido e mulher pode ser o suficiente para quebrar todo o vínculo
familiar.
A culpabilidade do que profere a mentira é maior quando a intenção de
enganar acarreta o risco de consequências funestas para aqueles que são
desviados da verdade. Um segundo de mentira pode estragar horas e dias
de verdade, eis o potencial lesivo da conduta de mentir.
A mentira (por ser uma violação da virtude da veracidade) é uma
verdadeira violência feita ao outro porque o fere em sua capacidade de
conhecer, que é a condição de todo juízo e de toda decisão. Contém em
germe a divisão dos espíritos e todos os males que ela suscita. A
mentira é funesta para toda a sociedade; mina a confiança entre os
homens e rompe o tecido das relações sociais. A mentira é um ato biltre.
Os homens não poderiam viver juntos se não tivessem confiança
recíproca, quer dizer, se não manifestassem a verdade uns aos outros. A
vida com mentira é abjeta, é vil, biltre, enfim.
É fácil perceber que o desserviço prestado pelos “fakes” causa um
prejuízo, um dano, que transcende a pessoa dos ofendidos direitos. Em
tal situação, os danos morais podem e devem ser cobrados em seu aspecto
moral. Aqui se fala em condenação que pode superar milhões de reais.
Concluindo, a responsabilidade civil de todos que participaram da trama
dos “fakes” é inequívoca e deve ser firme e rigorosa, pois as mentiras
não ofenderam apenas as vítimas e seus familiares, atingiram toda a
sociedade. Não importa a serviço de quem os fakes tenham agido, devem
ser rigorosamente punidos.
Fonte: Blog Saber Melhor / Edson Sombra.
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