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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Operação Miquéias: O crime organizado nas esferas públicas

Megaesquema derrubado pela PF revela que as lideranças da quadrilha tinham influência no Executivo federal, no Congresso, na Polícia Civil do DF, em prefeituras e em assembleias legislativas de nove unidades da Federação. Lavagem de dinheiro garantia vida

Megaesquema derrubado pela PF revela que as lideranças da quadrilha tinham influência no Executivo federal, no Congresso, na Polícia Civil do DF, em prefeituras e em assembleias legislativas de nove unidades da Federação. Lavagem de dinheiro garantia vida

Uma organização criminosa com ramificações e poder de influência na Presidência da República, no Congresso Nacional, na Polícia Civil do Distrito Federal e em prefeituras de cidades espalhadas por pelo menos nove unidades da Federação. Foi o que descortinaram as operações Elementar e Miquéias, conduzidas pela Polícia Federal e pelo Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Com recursos desviados, atos de corrupção e lavagem de dinheiro, os suspeitos de integrar a quadrilha levavam uma vida luxuosa. A lista de crimes praticados é tão grande quanto rentável: R$ 300 milhões teriam sido movimentados apenas nos últimos 18 meses, quando a PF afunilou as investigações. Na última quinta-feira, 20 integrantes do grupo foram presos. 

O megaesquema reuniu pessoas influentes de esferas administrativas. Na sexta-feira, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República exonerou o assessor Idaílson José Vilas Boas Macedo. Lotado na subchefia de Assuntos Federativos, ele mantinha contato estreito com prefeitos de pelo menos duas cidades goianas. A PF flagrou telefonemas, que indicam negociações com políticos em nome da quadrilha.
  

Os policiais federais também cumpriram mandado de busca e apreensão na casa de Fayed

Só em patrimônio, a PF identificou propriedades, carros, aviões e lanchas, que, juntos, têm valor estimado em R$ 50 milhões. Somente o doleiro Fayed Antoine Traboulsi, apontado como um dos líderes grupo, tem uma fazenda em Alto Paraíso, em Goiás, avaliada em R$ 11 milhões. Pertence a ele também um jato da Embraer com capacidade para quatro passageiros, além da tripulação. A aeronave custa cerca de US$ 4 milhões (R$ 8,8 milhões), mas não foi apreendida na operação. O libanês naturalizado brasileiro, o Turco, já responde a outro processo por lavagem de dinheiro.

Segundo os investigadores, lojistas a serviço da quadrilha pactuavam com prefeitos o desvio de recursos previdenciários para pelo menos 30 empresas de fachada. A rede contava com, no mínimo, 35 laranjas. Dos R$ 300 milhões movimentados, pelo menos R$ 50 milhões teriam origem em cofres públicos. Companhias em nome dos integrantes da organização criminosa serviriam para lavar o dinheiro captado de maneira ilícita.



Entre os veículos de luxo apreendidos pela PF, havia um iate avaliado em R$ 5 milhões

Lobistas 

Fora da ativa por invalidez após levar um tiro durante o resgate da filha de Luiz Estevão, em 2000, o policial civil aposentado Marcelo Toledo é indicado pela polícia, ao lado de Fayed, como um dos cabeças da organização. A quadrilha também conseguiu se infiltrar no alto escalão da Polícia Civil do DF. Dois delegados são suspeitos de atrapalhar investigações que tinham como alvo o próprio doleiro. Sandra Maria da Silveira e Paulo César Barongeno foram presos durante a Operação Elementar, em referência à conhecida frase de Sherlock Holmes.

O delegado conseguiu a liberdade horas depois de ser levado para a Superintendência da PF. Sandra permanecia detida até o fechamento desta edição. A apuração conduzida pela unidade de Repressão aos Crimes Financeiros da PF indica que uma das funções dos policiais no grupo era buscar informações estratégicas de inquéritos conduzidos pela polícia. Até março, a delegada Sandra era assessora jurídica da Secretaria de Segurança Pública.

O esquema revelado pela Polícia Federal mostra ainda a grande influência que o grupo criminoso exercia sobre as prefeituras e os deputados estaduais. Os “pastinhas”, como são chamados os lobistas, viajavam por todo o Brasil convencendo políticos a investir recursos públicos em empresas de fachada, que, depois eram fechadas. Assim, o lucro poderia ser dividido entre os criminosos e os agente públicos. O imóvel de um deputado estadual de Goiás, por exemplo, foi alvo de busca e apreensão. A casa de pelo menos sete prefeitos ou ex-prefeitos também acabaram vasculhadas pelos agentes em nove estados e no Distrito Federal.

Encontro 

Confira trecho de um diálogo interceptado em agosto do ano passado entre Fayed e uma funcionária 

Aline: Aquele negócio lá que vocês estavam tocando com o Carequinha, rolou alguma coisa interessante? Porque ele me ligou pedindo pra encontrar sábado. 

Fayed: Com o careca Rogério? 

Aline: É. 

Fayed: Não, ele saiu fora, e eu tô tocando sozinho, não é com o pessoal. 

Aline: Mas tá tocando, não tá? 

Fayed: Tô tocando sozinho. Tô bancando, o cara já foi à Espanha, já tá pegando os títulos, vamos montar o piloto. Eu tô tocando sozinho, aí, ele caiu fora. 

Aline: Eles ficaram com quantos por cento? Foi mais de 20? 

Fayed: Ficaram com 20%, mas eu que tô bancando tudo. Eu e Toledo tamo bancando tudo. 

Família e sociedade 


Na lista de presos durante a Operação Elementar, estão a mulher de Fayed, Márcia Regina Flausino Traboulsi, e o irmão dele, Louis Antoine Traboulsi. O relatório da Polícia Federal indica que ela é sócia em empresas-fantasmas usadas pela quadrilha. As apurações indicam que o negócio representado por ela emitiu notas fiscais, “denotando que a investigada tem participação ativa no esquema delituoso.” Márcia também tem uma panificadora no Rio de Janeiro, segundo o relatório da PF. Já Louis Antoine seria um dos sacadores dos valores depositados em nome de firmas de fachada.

Mais dois comparsas citados constantemente nas investigações são Carlos Eduardo Rocha Marzola e Flávio Júnior de Carvalho. A mando de Fayed e de Toledo, eles seriam os responsáveis por cooptar laranjas para a abertura de empresas-fantasmas e contas correntes. Faziam também saques e transferência do dinheiro adquirido e movimentado pela quadrilha, segundo a PF. Cláudio é apontado como sócio de Fayed e de Toledo e é experiente em investimentos e em mercado de capitais. Em 2012, foi condenado pela Comissão de Valores Mobiliários ao pagamento de R$ 3,3 milhões por prática desleal na Bolsa de Valores.

As escutas telefônicas autorizadas pela Justiça acrescentaram inúmeras provas contra os investigados. Funcionárias de Fayed, que possivelmente atuam como lobistas, fizeram negociações e comemoraram os acordos firmados por telefone. Conversavam com o doleiro com frequência.

Já Toledo, tratado pelas funcionárias como “bonitão”, é mais resistente às ligações. No pouco que foi interceptado, é quase monossilábico. Mas o sócio Fayed não tem problemas ao falar da relação entre os dois. Em uma ligação com uma das funcionárias, em agosto do ano passado, o doleiro deixa clara a sociedade com o policial aposentado (leia diálogo).

 Por Kelly Almeida, Araiadne Sakkis, Saulo Araújo e Amanda Almeida

Respingos sobre autoridades

As operações deflagradas pela Polícia Federal começam a identificar supostos envolvimentos de políticos ou de pessoas ligadas a áreas importantes dos governos local e federal. O esquema também se aproxima, segundo a apuração, de parlamentares do Congresso Nacional


 
O Lamborghini é um dos veículos de luxo apreendidos pela Polícia Federal durante as operações Miquéias e Elementar: avaliado em R$ 1,6 milhão
 
Os policiais federais também recolheram uma Ferrari preta, de valor semelhante ao do Lamborghini

As operações Miquéias e Elementar, deflagradas pela Polícia Federal, são fruto de pelo menos três apurações iniciadas pela Polícia Civil do DF anos atrás. Os trabalhos, entretanto, não deslancharam em razão de inúmeras interferências políticas ou acabaram inviabilizadas graças a vazamentos de interceptações telefônicas dentro da corporação brasiliense. Foram precisos sete anos para que o megaesquema pudesse ser revelado pela PF, que identificou empresas de fachadas, uso de laranjas para aberturas de contas bancárias e movimentações milionárias. Com os suspeitos, inclusive, a PF apreendeu vários veículos de luxo, entre eles, uma Ferrari e um Lamborghini Gallardo, avaliados em R$ 1,6 milhão cada.

A investigação promete ter mais de uma ramificação. Outros dois inquéritos correm na PF e começam a revelar supostos envolvimentos de políticos ou de pessoas ligadas a áreas sensíveis dos governos local e federal. Desde a última quinta-feira, houve 20 prisões. As investigações chegaram a parlamentares do Congresso Nacional e começa a se alastrar por outros órgãos da Esplanada.

No Ministério da Previdência Social, onde o servidor Gustavo Alberto Starling Soares Filho é apontado como suspeito de manter negócios com a organização criminosa investigada, haverá mais uma baixa. É a segunda queda no governo federal, já que, na última sexta-feira, um funcionário do Ministério de Relações Institucionais havia sido demitido por suposta ligação com quadrilha.

O ministro da Previdência, Garibaldi Alves, anunciou ontem que a exoneração do servidor citado na investigação da Operação Miqueias foi assinada e será publicada amanhã no Diário Oficial da União. De acordo com Alves, o ministério aguarda agora a notificação da PF para instaurar procedimento administrativo e apurar a conduta de Gustavo. Ele poderá ser enquadrado por formação de quadrilha. Procurado pelo Correio, quem atendeu a ligação disse que “no momento, a gente não tem nada a declarar”.

O senador Magno Malta (PR/GO) viu o seu nome envolvido no suposto esquema fraudulento descoberto pela PF após a descoberta de que uma de suas assessoras é investigada. Marta Alves Lança, pastora da Igreja Batista Getsêmani, é suspeita de trabalhar como lobista da quadrilha. Ela foi indiciada por crime contra o sistema financeiro. Ao jornal O Globo, ela afirmou que vai pedir a exoneração do cargo para não manchar a imagem do parlamentar — o senador não foi encontrado pela reportagem para comentar o assunto.

Em depoimento às autoridades policiais, ela declarou que, no fim de 2012, foi apresentada a Almir Fonseca Bento, representante de uma das empresas usadas para supostamente lavar o dinheiro da quadrilha. Rogério Arcanjo, assessor do pastor e do deputado federal Ronaldo Fonseca, presidente do PR no Distrito Federal, teria sido responsável pela interlocução. O parlamentar não foi encontrado pelo Correio para tratar do caso.

As diversas ramificações do esquema — grupo organizado, com uma estrutura hierarquizada e com tarefas determinadas — levaram a Polícia Federal a separar a investigação em várias frentes, que incluem lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e crime previdenciário. Toda a atividade ilícita, segundo o pedido de prisão preventiva protocolado na Justiça pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), por meio do Núcleo de Combate a Organizações Criminosas (NCOC) “apresenta como traço em comum, a liderança dos representados Fayed Antoine Traboulsi e Marcelo Toledo Watson, responsáveis pelo planejamento e estruturação do grupo criminoso e por manter estreitas ligações com o poder estatal, seja cooptando agentes públicos ou exercendo forte influência no meio político local.”

No esquema, a polícia identificou que os suspeitos usavam empresas para receber depósitos incompatíveis com a atividade econômica exercida por elas. Os valores eram creditados, e os suspeitos, segundo a PF, faziam com que essas quantias circulassem entre as diversas firmas para, só então, sacar o dinheiro em espécie. O objetivo seria dificultar o rastreamento e a identificação da origem ilícita. 

Acusações negadas 

O advogado de Marcelo Toledo Watson, Raul Livino, afirmou ao Correio que ainda não teve acesso às investigações que incriminam o cliente. O policial civil aposentado está detido desde a última quinta-feira, mas Livino adiantou que pedirá a soltura de Toledo, tão logo tenha acesso aos autos. Para isso, o advogado de Toledo espera conseguir informações sobre o inquérito com a Polícia Federal e o Ministério Público para estudar a melhor estratégia de defesa para o cliente.

Livino rechaçou as acusações que pesam contra Toledo, entre elas, a de protagonismo no esquema de lavagem de dinheiro. O advogado ainda negou que o policial civil seja o chefe da quadrilha, como aponta as investigações policiais. “Meu cliente não exerce qualquer liderança ou faz parte de organização criminosa. Nada, nada, nada. Ele está perplexo com toda essa situação.”

O defensor do policial civil poderá entrar com pedido de habeas corpus até quarta-feira, quando pretende estar com a documentação em mãos. A reportagem tentou contato com os advogados do doleiro Fayed Antoine Traboulsi, mas ninguém atendeu as ligações. Fayed já responde a outro processo por lavagem de dinheiro e, até o fechamento desta edição, não se tinha informações se havia algum mandado de soltura em favor dele. Procurados, os demais advogados dos detidos na Operação Miquéias não foram localizados. 

Fonte: Correio Braziliense - Por Mara Puljiz e Leandro Kleber

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