Megaesquema derrubado pela PF revela que as lideranças da quadrilha tinham influência no Executivo federal, no Congresso, na Polícia Civil do DF, em prefeituras e em assembleias legislativas de nove unidades da Federação. Lavagem de dinheiro garantia vida
Megaesquema
derrubado pela PF revela que as lideranças da quadrilha tinham
influência no Executivo federal, no Congresso, na Polícia Civil do DF,
em prefeituras e em assembleias legislativas de nove unidades da
Federação. Lavagem de dinheiro garantia vida
Uma
organização criminosa com ramificações e poder de influência na
Presidência da República, no Congresso Nacional, na Polícia Civil do
Distrito Federal e em prefeituras de cidades espalhadas por pelo menos
nove unidades da Federação. Foi o que descortinaram as operações
Elementar e Miquéias, conduzidas pela Polícia Federal e pelo Núcleo de
Combate às Organizações Criminosas (Ncoc) do Ministério Público do DF e
Territórios (MPDFT). Com recursos desviados, atos de corrupção e lavagem
de dinheiro, os suspeitos de integrar a quadrilha levavam uma vida
luxuosa. A lista de crimes praticados é tão grande quanto rentável: R$
300 milhões teriam sido movimentados apenas nos últimos 18 meses, quando
a PF afunilou as investigações. Na última quinta-feira, 20 integrantes
do grupo foram presos.
O megaesquema reuniu pessoas influentes de esferas administrativas. Na
sexta-feira, a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da
República exonerou o assessor Idaílson José Vilas Boas Macedo. Lotado na
subchefia de Assuntos Federativos, ele mantinha contato estreito com
prefeitos de pelo menos duas cidades goianas. A PF flagrou telefonemas,
que indicam negociações com políticos em nome da quadrilha.
Os policiais federais também cumpriram mandado de busca e apreensão na casa de Fayed |
Só em patrimônio, a PF identificou propriedades, carros, aviões e
lanchas, que, juntos, têm valor estimado em R$ 50 milhões. Somente o
doleiro Fayed Antoine Traboulsi, apontado como um dos líderes grupo, tem
uma fazenda em Alto Paraíso, em Goiás, avaliada em R$ 11 milhões.
Pertence a ele também um jato da Embraer com capacidade para quatro
passageiros, além da tripulação. A aeronave custa cerca de US$ 4 milhões
(R$ 8,8 milhões), mas não foi apreendida na operação. O libanês
naturalizado brasileiro, o Turco, já responde a outro processo por
lavagem de dinheiro.
Segundo os investigadores, lojistas a serviço da quadrilha pactuavam
com prefeitos o desvio de recursos previdenciários para pelo menos 30
empresas de fachada. A rede contava com, no mínimo, 35 laranjas. Dos R$
300 milhões movimentados, pelo menos R$ 50 milhões teriam origem em
cofres públicos. Companhias em nome dos integrantes da organização
criminosa serviriam para lavar o dinheiro captado de maneira ilícita.
Entre os veículos de luxo apreendidos pela PF, havia um iate avaliado em R$ 5 milhões |
Lobistas
Fora da ativa por invalidez após levar um tiro durante o resgate da
filha de Luiz Estevão, em 2000, o policial civil aposentado Marcelo
Toledo é indicado pela polícia, ao lado de Fayed, como um dos cabeças da
organização. A quadrilha também conseguiu se infiltrar no alto escalão
da Polícia Civil do DF. Dois delegados são suspeitos de atrapalhar
investigações que tinham como alvo o próprio doleiro. Sandra Maria da
Silveira e Paulo César Barongeno foram presos durante a Operação
Elementar, em referência à conhecida frase de Sherlock Holmes.
O delegado conseguiu a liberdade horas depois de ser levado para a
Superintendência da PF. Sandra permanecia detida até o fechamento desta
edição. A apuração conduzida pela unidade de Repressão aos Crimes
Financeiros da PF indica que uma das funções dos policiais no grupo era
buscar informações estratégicas de inquéritos conduzidos pela polícia.
Até março, a delegada Sandra era assessora jurídica da Secretaria de
Segurança Pública.
O esquema revelado pela Polícia Federal mostra ainda a grande
influência que o grupo criminoso exercia sobre as prefeituras e os
deputados estaduais. Os “pastinhas”, como são chamados os lobistas,
viajavam por todo o Brasil convencendo políticos a investir recursos
públicos em empresas de fachada, que, depois eram fechadas. Assim, o
lucro poderia ser dividido entre os criminosos e os agente públicos. O
imóvel de um deputado estadual de Goiás, por exemplo, foi alvo de busca e
apreensão. A casa de pelo menos sete prefeitos ou ex-prefeitos também
acabaram vasculhadas pelos agentes em nove estados e no Distrito
Federal.
Encontro
Encontro
Confira trecho de um diálogo interceptado em agosto do ano passado entre Fayed e uma funcionária
Aline: Aquele negócio lá que vocês estavam tocando com
o Carequinha, rolou alguma coisa interessante? Porque ele me ligou
pedindo pra encontrar sábado.
Fayed: Com o careca Rogério?
Aline: É.
Fayed: Não, ele saiu fora, e eu tô tocando sozinho, não é com o pessoal.
Aline: Mas tá tocando, não tá?
Fayed: Tô tocando sozinho. Tô bancando, o cara já foi à
Espanha, já tá pegando os títulos, vamos montar o piloto. Eu tô tocando
sozinho, aí, ele caiu fora.
Aline: Eles ficaram com quantos por cento? Foi mais de 20?
Fayed: Ficaram com 20%, mas eu que tô bancando tudo. Eu e Toledo tamo bancando tudo.
Família e sociedade
Na lista de presos durante a Operação Elementar, estão a mulher de
Fayed, Márcia Regina Flausino Traboulsi, e o irmão dele, Louis Antoine
Traboulsi. O relatório da Polícia Federal indica que ela é sócia em
empresas-fantasmas usadas pela quadrilha. As apurações indicam que o
negócio representado por ela emitiu notas fiscais, “denotando que a
investigada tem participação ativa no esquema delituoso.” Márcia também
tem uma panificadora no Rio de Janeiro, segundo o relatório da PF. Já
Louis Antoine seria um dos sacadores dos valores depositados em nome de
firmas de fachada.
Mais dois comparsas citados constantemente nas investigações são Carlos
Eduardo Rocha Marzola e Flávio Júnior de Carvalho. A mando de Fayed e
de Toledo, eles seriam os responsáveis por cooptar laranjas para a
abertura de empresas-fantasmas e contas correntes. Faziam também saques e
transferência do dinheiro adquirido e movimentado pela quadrilha,
segundo a PF. Cláudio é apontado como sócio de Fayed e de Toledo e é
experiente em investimentos e em mercado de capitais. Em 2012, foi
condenado pela Comissão de Valores Mobiliários ao pagamento de R$ 3,3
milhões por prática desleal na Bolsa de Valores.
As escutas telefônicas autorizadas pela Justiça acrescentaram inúmeras
provas contra os investigados. Funcionárias de Fayed, que possivelmente
atuam como lobistas, fizeram negociações e comemoraram os acordos
firmados por telefone. Conversavam com o doleiro com frequência.
Já Toledo, tratado pelas funcionárias como “bonitão”, é mais resistente
às ligações. No pouco que foi interceptado, é quase monossilábico. Mas o
sócio Fayed não tem problemas ao falar da relação entre os dois. Em uma
ligação com uma das funcionárias, em agosto do ano passado, o doleiro
deixa clara a sociedade com o policial aposentado (leia diálogo).
Por Kelly Almeida, Araiadne Sakkis, Saulo Araújo e Amanda Almeida
Respingos sobre autoridades
As
operações deflagradas pela Polícia Federal começam a identificar
supostos envolvimentos de políticos ou de pessoas ligadas a áreas
importantes dos governos local e federal. O esquema também se aproxima,
segundo a apuração, de parlamentares do Congresso Nacional
O Lamborghini é um dos veículos de luxo apreendidos pela Polícia Federal durante as operações Miquéias e Elementar: avaliado em R$ 1,6 milhão |
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Os policiais federais também recolheram uma Ferrari preta, de valor semelhante ao do Lamborghini |
As operações Miquéias e Elementar,
deflagradas pela Polícia Federal, são fruto de pelo menos três apurações
iniciadas pela Polícia Civil do DF anos atrás. Os trabalhos,
entretanto, não deslancharam em razão de inúmeras interferências
políticas ou acabaram inviabilizadas graças a vazamentos de
interceptações telefônicas dentro da corporação brasiliense. Foram
precisos sete anos para que o megaesquema pudesse ser revelado pela PF,
que identificou empresas de fachadas, uso de laranjas para aberturas de
contas bancárias e movimentações milionárias. Com os suspeitos,
inclusive, a PF apreendeu vários veículos de luxo, entre eles, uma
Ferrari e um Lamborghini Gallardo, avaliados em R$ 1,6 milhão cada.
A investigação promete ter mais de uma ramificação. Outros dois
inquéritos correm na PF e começam a revelar supostos envolvimentos de
políticos ou de pessoas ligadas a áreas sensíveis dos governos local e
federal. Desde a última quinta-feira, houve 20 prisões. As investigações
chegaram a parlamentares do Congresso Nacional e começa a se alastrar
por outros órgãos da Esplanada.
No Ministério da Previdência Social, onde o servidor Gustavo Alberto
Starling Soares Filho é apontado como suspeito de manter negócios com a
organização criminosa investigada, haverá mais uma baixa. É a segunda
queda no governo federal, já que, na última sexta-feira, um funcionário
do Ministério de Relações Institucionais havia sido demitido por suposta
ligação com quadrilha.
O ministro da Previdência, Garibaldi Alves, anunciou ontem que a
exoneração do servidor citado na investigação da Operação Miqueias foi
assinada e será publicada amanhã no Diário Oficial da União. De acordo
com Alves, o ministério aguarda agora a notificação da PF para instaurar
procedimento administrativo e apurar a conduta de Gustavo. Ele poderá
ser enquadrado por formação de quadrilha. Procurado pelo Correio, quem
atendeu a ligação disse que “no momento, a gente não tem nada a
declarar”.
O senador Magno Malta (PR/GO) viu o seu nome envolvido no suposto
esquema fraudulento descoberto pela PF após a descoberta de que uma de
suas assessoras é investigada. Marta Alves Lança, pastora da Igreja
Batista Getsêmani, é suspeita de trabalhar como lobista da quadrilha.
Ela foi indiciada por crime contra o sistema financeiro. Ao jornal O
Globo, ela afirmou que vai pedir a exoneração do cargo para não manchar a
imagem do parlamentar — o senador não foi encontrado pela reportagem
para comentar o assunto.
Em depoimento às autoridades policiais, ela declarou que, no fim de
2012, foi apresentada a Almir Fonseca Bento, representante de uma das
empresas usadas para supostamente lavar o dinheiro da quadrilha. Rogério
Arcanjo, assessor do pastor e do deputado federal Ronaldo Fonseca,
presidente do PR no Distrito Federal, teria sido responsável pela
interlocução. O parlamentar não foi encontrado pelo Correio para tratar
do caso.
As diversas ramificações do esquema — grupo organizado, com uma
estrutura hierarquizada e com tarefas determinadas — levaram a Polícia
Federal a separar a investigação em várias frentes, que incluem lavagem
de dinheiro, tráfico de drogas e crime previdenciário. Toda a atividade
ilícita, segundo o pedido de prisão preventiva protocolado na Justiça
pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), por meio do Núcleo
de Combate a Organizações Criminosas (NCOC) “apresenta como traço em
comum, a liderança dos representados Fayed Antoine Traboulsi e Marcelo
Toledo Watson, responsáveis pelo planejamento e estruturação do grupo
criminoso e por manter estreitas ligações com o poder estatal, seja
cooptando agentes públicos ou exercendo forte influência no meio
político local.”
No esquema, a polícia identificou que os suspeitos usavam empresas para
receber depósitos incompatíveis com a atividade econômica exercida por
elas. Os valores eram creditados, e os suspeitos, segundo a PF, faziam
com que essas quantias circulassem entre as diversas firmas para, só
então, sacar o dinheiro em espécie. O objetivo seria dificultar o
rastreamento e a identificação da origem ilícita.
Acusações negadas
O advogado de Marcelo Toledo Watson, Raul Livino, afirmou ao Correio
que ainda não teve acesso às investigações que incriminam o cliente. O
policial civil aposentado está detido desde a última quinta-feira, mas
Livino adiantou que pedirá a soltura de Toledo, tão logo tenha acesso
aos autos. Para isso, o advogado de Toledo espera conseguir informações
sobre o inquérito com a Polícia Federal e o Ministério Público para
estudar a melhor estratégia de defesa para o cliente.
Livino rechaçou as acusações que pesam contra Toledo, entre elas, a de
protagonismo no esquema de lavagem de dinheiro. O advogado ainda negou
que o policial civil seja o chefe da quadrilha, como aponta as
investigações policiais. “Meu cliente não exerce qualquer liderança ou
faz parte de organização criminosa. Nada, nada, nada. Ele está perplexo
com toda essa situação.”
O defensor do policial civil poderá entrar com pedido de habeas corpus
até quarta-feira, quando pretende estar com a documentação em mãos. A
reportagem tentou contato com os advogados do doleiro Fayed Antoine
Traboulsi, mas ninguém atendeu as ligações. Fayed já responde a outro
processo por lavagem de dinheiro e, até o fechamento desta edição, não
se tinha informações se havia algum mandado de soltura em favor dele.
Procurados, os demais advogados dos detidos na Operação Miquéias não
foram localizados.
Fonte: Correio Braziliense - Por Mara Puljiz e Leandro Kleber
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