Depois
de perder o mandato e o cargo de pastor, o ex-distrital retomou o
trabalho em uma igreja na periferia da capital paulista. Envolvido no
escândalo da Caixa de Pandora, ele é acusado de participar de esquema de
desvio de emendas
Em setembro do ano passado, Júnior Brunelli começou o movimento para voltar à Catedral da Benção |
Protagonista da oração da propina em 2009, Júnior Brunelli foi obrigado
a renunciar ao mandato de distrital para se livrar do processo de
cassação. Dois anos depois, já ex-deputado tornou-se pivô de uma
operação policial que apura desvios milionários de emendas
parlamentares. Foi preso por 10 dias para não interferir nas
investigações. Em função das denúncias, acabou afastado da atividade de
pastor da igreja comandada pelo pai, Doriel de Oliveira. Menos de um ano
depois, Brunelli recomeçou. Sem barba, uns quilos a mais e o mesmo
modus operandi que o levou do poder à prisão. Voltou a pastorear. Só que
agora em um subúrbio de São Paulo.
Brunelli foi reconduzido ao cargo de pastor da Catedral da Benção e,
desde novembro, lidera cultos em uma unidade da igreja que fica na Rua
Demerval Lobão 184, Vila Ré, no Bairro Artur Alvim, Zona Leste de São
Paulo, uma das regiões mais pobres da metrópole. Brunelli dá expediente
de terça a domingo, dia em que o culto começa às 18h e dura cerca de
duas horas. À frente do templo, o ex-deputado coordena estudos bíblicos,
campanhas de oração, sessões de cura e de libertação.
O recomeço em São Paulo, a mais de mil quilômetros de Brasília, foi
estratégico. Depois da prisão, em maio do ano passado, Brunelli ficou
com a imagem muito desgastada. Pouco tempo antes, ele havia atravessado o
escândalo da Caixa de Pandora, quando se tornou personagem principal da
oração da propina (Leia abaixo Memória), ocasião em que pediu pela
saúde de Durval Barbosa, réu confesso e delator do esquema de corrupção
envolvendo políticos, empresários e gestores públicos denunciado em
2009. O episódio lhe rendeu o afastamento político. Mas não da igreja.
Ele permaneceu pastor e no controle da congregação fundada pelo pai,
que, no Distrito Federal, tem sede em Taguatinga.
Fundador da igreja, o pai dele, Doriel de Oliveira (C), articulou a ação |
Mas a situação de Brunelli ficou insustentável em junho de 2012, depois
de ele passar 10 dias na prisão, acusado pela Divisão de Combate ao
Crime Organizado da Polícia Civil de lavagem de dinheiro, peculato, uso
de documento falso e formação de quadrilha. Os crimes teriam acontecido
em 2009, quando ele estava no segundo mandato de distrital. Os policiais
investigam indícios de que Brunelli era o mentor de um esquema de
desvio de emendas parlamentares destinadas à Associação de Assistência
Social Monte das Oliveiras (AMO), comandada por familiares dele. O
inquérito usou como base o ano de 2009, quando desconfia-se de que R$
1,7 milhão tenha sido desviado. Mas o rombo, segundo os próprios
investigadores, pode ultrapassar os R$ 3,6 milhões.
Com a pressão das denúncias, Brunelli acabou perdendo o cargo de
pastor. A decisão partiu de integrantes do chamado Supremo Concílio,
instância que também o defenestrou da condição de diretor administrativo
da congregação. Na ocasião, os dirigentes da igreja tinham proposto que
Doriel, pai de Brunelli e fundador da Catedral da Benção — antes Casa
da Benção — fizesse uma carta formalizando o afastamento. Mas Doriel
resistiu e a definição ficou a cargo do Concílio, formado por pastores.
À frente de um império da fé, a congregação reúne 2 mil igrejas em
dezenas de cidades brasileiras, Doriel esperou a poeira baixar e, em
meados de setembro do ano passado, reconduziu o filho à condição de
pastor. A voz que mais pesou para a recolocação de Brunelli na vitrine
da igreja que já tem sede nos Estados Unidos, na Argentina, no Chile, na
Costa do Marfim, na Inglaterra, na Suíça e até no Japão foi Ruth
Brunelli, mãe do ex-distrital. Com o discurso de que foi vítima de uma
armação, a família Brunelli tenta um recomeço para o ex-distrital,
ovelha a ovelha.
Família na mira da polícia
Brunelli deu o primeiro passo para retornar à condição de pastor quando
se mudou para São Paulo. Ao deixar Brasília, passou um período em
Sorocaba, onde ficou hospedado na casa do missionário Sérgio Affonso, um
dos principais dirigentes da Catedral da Benção. Formado em direito, o
ex-distrital chegou a tentar emprego como professor, mas as lições de
que se tem notícia são de cunho religioso, na sede da igreja que ele
arrumou para pregar, no subúrbio de São Paulo.
Mas enquanto Brunelli exalta a sua inocência na capital paulista, os
policiais em Brasília seguem com a investigação que já reúne 10 volumes,
detalhada em 1,6 mil páginas. A cargo da Divisão de Combate ao Crime
Organizado (Deco), o inquérito referente à Operação Hofini reúne o
relato de, pelo menos, 20 testemunhas, muitas delas ligadas à Catedral
da Benção. Entre as evidências reveladas em depoimentos, a de que muitas
notas usadas para justificar despesas em eventos realizados pela igreja
de Brunelli e de Doriel eram falsas.
Diretor da Deco e responsável pelo inquérito que investiga o
ex-deputado, o delegado Henry Peres afirma que as investigações avançam.
“Trata-se de um esquema muito bem engendrado, mas que deixou rastros,
e, a partir dos elementos como as quebras de sigilo, documentos obtidos
na operação e depoimentos, nós estamos descobrindo e levantando provas
sólidas sobre o esquema”, disse Henry.
Na tarde de ontem, a Deco deu entrada na 1ª Vara Criminal de Taguatinga
com pedido de quebra dos sigilos fiscal e bancário do pastor Doriel de
Oliveira, da igreja Catedral da Benção e de empresas que surgiram a
partir das apurações policiais. (LT e AP)
Memória Vídeo da propina
Brunelli sempre misturou religião e poder, e foi nesse caminho que seu reinado desmoronou. Em 2009, quando veio a público o vídeo em que ele pedia proteção divina a Durval Barbosa, um dos operadores e o delator da Caixa de Pandora, Brunelli atingiu o ápice na desastrosa carreira política que percorreu. Ficou nacionalmente conhecido e tornou emblemática a oração da propina, conduzida por ele para acalentar Durval, que estaria “passando por momentos difíceis”, segundo nota do site do ex-distrital à época.
Natural de São Paulo, o filho adotivo dos missionários Doriel e Ruth,
líderes da Catedral da Benção, sonhava mais alto, almejava o Senado. O
voo, porém, acabou interrompido precocemente pelas imagens bombásticas
da videoteca de Barbosa. Em outra gravação, ele figurava recebendo, das
mãos do delator, maços de dinheiro, hoje reclamados pelo Ministério
Público do Distrito Federal (MPDFT).
Ciente de que seria cassado pelos colegas parlamentares por causa do
constrangimento causado ao Poder Legislativo, em 2009, Brunelli
renunciou ao mandato iniciado em 2006, quando foi o candidato mais
votado do antigo PFL, atual DEM, com 23.734 votos. Viveu no limbo até o
ano passado, até ser preso na Operação Hofini, da Polícia Civil, por
suspeitas de desvio de emendas parlamentares destinadas a projetos
sociais da Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda
(Sedest).
Enquanto esteve preso por 10 dias, Brunelli foi afastado de suas
atribuições de pastor na Catedral da Benção, e também viu a abertura de
um processo disciplinar capitaneado pela seccional do Distrito Federal
da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) contra ele, que é advogado.
Liberado da prisão, Brunelli articulou sua volta à igreja sem causar
alarde. Mesmo depois de ser readmitido, muitos dirigentes nem sequer
sabiam de seu retorno. Hoje, está à direita do pai, em sede na periferia
de São Paulo.
Fonte: Correio Braziliense - Por Lilian Tahan Arthuer Paganini
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