Eis uma pergunta inadiável, haja vista a Resolução do Diretório
Nacional do partido, pregando o que entende por "controle social da
mídia" ou "democratização dos meios de comunicação". Trocando em
miúdos, isto significa o controle da imprensa e dos meios de
comunicação, a volta da censura.
Não se trata, evidentemente, de negar a necessidade de uma
modernização do marco regulatório nacional, pois a nossa
legislação, em vários aspectos, é anterior à introdução da
internet. O mundo digital, novas tecnologias, novas exigências
empresariais e novas formas de regulamentação estatal fazem
normalmente parte desse processo de mudança.
Discussões constituem momentos essenciais de um novo marco
regulatório, suscitando questões como financiamento de novos
investimentos, parcerias público-privadas, introdução de fibras
óticas, faixa 4G e assim por diante. Estamos diante do que, em artigos
anteriores, chamei de uma regulamentação formal, que nada tem a ver
com qualquer tipo de regulamentação do conteúdo jornalístico.
Ora, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, tem conduzido esse
processo de maneira exemplar, com isenção e competência, procurando,
inclusive, oferecer para os próximos anos, para todos os brasileiros,
uma internet veloz e barata. Se tivéssemos que utilizar um vocabulário
petista, diríamos uma "inclusão digital".
Logo, é mais do que surpreendente o fato de a Resolução do partido
visar a confrontar a presidente Dilma e o seu ministro das
Comunicações. Aliás, a presidente tem se caracterizado pela defesa da
liberdade de imprensa, contra qualquer forma de censura, e não há por
que duvidar de suas intenções. Essas se traduzem por fatos.
Por exemplo, em seu mandato não houve nenhuma "Conferência Nacional
das Comunicações", nenhuma proposta como a Ancinave, nem tentativas de
recuperá-las, todas voltadas para o controle da imprensa e dos meios
de comunicação. Essas iniciativas e outras eram respaldadas pelos
ditos movimentos sociais, que defendem as velhas tendências
autoritárias da esquerda, procurando um controle total da informação.
Nesse sentido, o PT foi de uma irresponsabilidade absoluta ao
colocar-se contra o seu próprio governo, em uma espécie de oposição a
si mesmo. Caberia a pergunta: o PT é ou não governo?
O PMDB deu-se rapidamente conta dessa contradição e se posicionou
abertamente contra qualquer tipo de controle dos meios de comunicação,
horando a sua própria história. Assumiu o governo do qual faz parte.
Defendeu com firmeza um dos pilares de uma sociedade livre e
democrática. Mais uma vez, o partido, sob a liderança do
vice-presidente Michel Temer, exerceu um papel moderador e
institucional.
O discurso contra os "oligopólios", as "grandes famílias" e a
"concentração da mídia", enquanto formas de exercício do poder que
enfraqueceriam a democracia e prejudicariam a participação dos
cidadãos, não resiste a uma mínima análise histórica. Se isso fosse
verdade, o PT jamais teria conquistado o poder e nele permanecido há
mais de 10 anos.
Foram precisamente esses jornais, revistas e grupos midiáticos que
possibilitaram que o pluralismo existente se traduzisse pela eleição a
presidente da República de um sindicalista. Aliás, um fundador de
partido que se dizia "contra tudo que está aí". As liberdades da
sociedade brasileira se caracterizam pela pluralidade de pontos de
vista, de opiniões, que viabilizam que um cidadão qualquer eleja um
determinado partido ou candidato.
Basta a leitura de um jornal, de uma revista ou ver um noticiário
televisivo, em um mesmo veículo, ou em vários, para constatar a sua
diversidade. Um editorial, muitas vezes, é um, a opinião de
articulistas e colunistas é outra, as matérias jornalísticas outras
ainda. A uniformidade jornalística só se constata nos jornais cubanos,
tão prezados por aqueles mesmos que procuram implantar a
"democratização dos meios de comunicação".
Se a Resolução petista recupera uma antiga bandeira, que proclamava
em alto e bom som ser "contra tudo o que está aí", ela se volta contra
o governo petista. O que está aí é resultado de seus 10 anos de
exercício de poder.
Não se trata, isso é evidente, de negar os ganhos sociais dos
últimos anos, que são uma conquista da sociedade brasileira como um
todo. Trata-se, apenas, de colocar esses ganhos em perspectiva, pois,
tendo sido realizados por um governo petista, eles não são, do ponto
de vista conceitual, um produto da esquerda, salvo se a entendermos no
sentido amplo da social-democracia europeia e do trabalhismo inglês.
Ademais, esse tipo de conquista social começou com um governo
conservador na Grã-Bretanha e corresponde às políticas públicas da
democracia cristã na Itália e na Alemanha.
Conquistas sociais duradouras são aquelas realizadas em sociedades
democráticas e livres, um patrimônio da nação, para além das
oposições partidárias entre "esquerda" e "direita". Em todo caso,
são totalmente afinadas com a liberdade de imprensa e a ela não se
contrapõem. Só uma esquerda atrasada, de tipo "bolivariano", avatar do
comunismo do século XX, parte de uma (falta de) perspectiva diferente.
Em nome de sua concepção do "social" são liberticidas.
Ocorre que a Resolução do PT, para além de sua irresponsabilidade em
relação ao seu governo, deixa transparecer um ranço ideológico
próprio do "socialismo do século XXI". Para eles, enquanto a sociedade
não for totalmente controlada, a "democratização" não está
realizada. Se falam de democracia, é com o intuito de subvertê-la de
uma forma que possa parecer palatável a uma opinião pública incauta.
O que o partido necessita é superar suas velhas bandeiras,
converter-se plenamente às liberdades e às instituições
republicanas, abandonando a esquizofrenia que ainda o caracteriza. No
que diz respeito à liberdade de imprensa e dos meios de comunicação
em geral, necessita assumir o seu próprio governo e não contrapô-lo.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo - Por Denis Lerrer Rosenfield
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