Os avisos dados por Venina Velosa da Fonseca a Graça Foster
sobre irregularidades na Petrobras não foram só por e-mail. A
ex-gerente da estatal também teve um encontro pessoal com a atual
presidente da empresa quando Graça era diretora de Gás e Energia.
No
encontro, Venina entregou a Graça documentos sobre denúncias na área de
Comunicação. A declaração foi feita por Venina em entrevista exibida
ontem no "Fantástico", da TV Globo.
A
ex-gerente revelou também e-mail que enviou a Graça em outubro de 2011;
nele, Venina diz que gostaria de conversar com ela "olhando direto nos
seus olhos". Perguntada sobre a declaração de Graça na última
quarta-feira de que ela não teria entendido os e-mails, a ex-gerente diz
que, como gestora, teria procurado uma explicação - e que Graça tinha
acesso a ela e liberdade suficiente para buscar esclarecimentos sobre as
questões levantadas.
Venina também falou do impacto das denúncias sobre sua família e das ameaças que passou a sofrer.
Procurada
pela Globo, a Petrobras voltou a declarar que tomou as providências
necessárias diante das denúncias, e lembrou que Venina foi
responsabilizada por uma comissão interna de apuração de corrupção na
refinaria Abreu e Lima. O ex-presidente da estatal Sérgio Gabrielli
disse que nunca foi informado de irregularidades diretamente pela
ex-gerente.
PRIMEIRAS DENÚNCIAS
"Desde
que eu percebi que havia irregularidades na minha área. Isso aconteceu
em 2008. Desde 2008, eu venho reportando esses problemas aos meus
superiores, o que culminou agora eu estar levando essa documentação toda
ao Ministério Público".
IRREGULARIDADES
"São
vários tipos. Irregularidades de pagamento de serviço não prestado de
contratos que, aparentemente, estavam superfaturados; de negociações que
eram feitas onde eram solicitadas comissões para pessoas que estavam
negociando e uma série de problemas que feriam o código de ética e
conduta da empresa".
CONHECIMENTO
"(Informei)
A todos os meus superiores. Informei ao gerente executivo, aos
diretores e até a presidente da empresa. Num primeiro momento, em 2008,
como gerente executiva, eu informei ao então diretor (de Abastecimento)
Paulo Roberto Costa (em prisão domiciliar). Informei a outros diretores
como a Graça Foster (atual presidente da Petrobas e ex-diretora de Gás e
Energia) e, em outro momento, como gerente geral, eu informei aos meus
gerentes executivos, José Raimundo Brandão Pereira (ex-gerente
executivo, destituído do cargo em abril deste ano) e o Abílio (Paulo
Pinheiro Ramos, gerente executivo).
Informei
ao diretor (José Carlos) Cosenza (atual diretor de Abastecimento).
Informei ao presidente (Sérgio) Gabrielli (ex-presidente da Petrobras e
antecessor de Graça Foster). Informei a todas a pessoas que eu achava
que podiam fazer alguma coisa para combater aquele processo que estava
se instalando dentro da empresa".
Encontro com GRAÇA FOSTER
"Eu
estive com a presidente pessoalmente quando ela era diretora de Gás e
Energia. Naquele momento, nós discutimos o assunto. Foi passada a
documentação para ela sobre processo de denúncia na área de comunicação.
Depois disso, ela teve acesso a essas irregularidades nas reuniões da
diretoria executiva. Eu era responsável, como gerente executiva
corporativa, pelo orçamento. O que significa isso? Esse projeto vai dar
lucro ou prejuízo? No final das contas, é isso que a empresa quer".
Compreensão do e-mail
"Se
isso não está suficientemente claro, eu como gestora buscaria uma
explicação, principalmente de uma pessoa que eu tinha muito acesso. Nós
tínhamos muito acesso, éramos próximas. Então ela teria toda liberdade
de falar: "Venina, o que está acontecendo?" ".
ESQUARTEJAMENTO DE PROJETOS
"Você
tem uma refinaria. São várias unidades que são construídas. Então, você
tem várias formas de fazer a contratação. Você facilita ou dificulta a
fiscalização. Em nenhum momento, se não houve a compreensão do que eu
estava falando, fui chamada a dar esclarecimento sobre o assunto. Então,
teve esse momento, e teve agora, no fim da minha gestão em Cingapura
que eu fiz relatório em toda minha área de gestão, resultados bons".
ENCONTRO COM PAULO ROBERTO
"Esse
evento aconteceu quando eu fui apresentar o problema que ocorreu na
área de comunicação. Eu cheguei na sala dele e falei: "olha, aqui tem só
uma amostra do que está acontecendo na área". Eram vários contratos de
pequenos serviços onde nós não tínhamos conhecimento do tipo de serviço,
mostrava esquartejamento do contrato. Naquele momento, eu falei: "eu
nunca soube, estou sabendo isso agora e acho que é muito sério e temos
que tomar atitude". Aí, ele pediu que eu procurasse o gerente
responsável e pedisse para que ele parasse. Eu falei: "ele já fez, não
tem como eu chegar agora e falar vamos esquecer o que aconteceu e vamos
trabalhar diferente".
Existe
um fato concreto que tinha que ser apurado e investigado. Nesse momento
ele ficou muito irritado. A gente tava sentado na mesa da sala dele.
Ele apontou para o retrato do Lula, apontou para direção da sala do
Sérgio Gabrielli e perguntou: "Você quer derrubar todo mundo?".
Eu
fiquei assustada e disse: "Olha eu tenho duas filhas, tenho que colocar
a cabeça na cama e dormir e no outro dia eu tenho que olhar nos olhos
delas e não sentir vergonha" ".
PRESSÃO
"Durante
esse processo todo da comunicação, eu fui muito assediada, fui muito
pressionada. O tempo todo havia assistentes do presidente, assistentes
dos diretores na minha sala falando: "Tem muita gente envolvida, você
não pode tratar essa questão dessa forma". Então, quando a gente
conduziu todo o processo, eu tinha que formatar, fazer um documento
final para que ele fosse encaminhado para as áreas que teriam que tomar
as ações e, na verdade, o que estava ocorrendo era uma pressão grande
para que isso não fosse feito.
Eu
fui lá não pra pedir para formatar. Foi pra falar o seguinte: o que que
eu faço? Para quem que eu mando? Diretor? Na verdade, era para pedir
conselho. O que eu fiz foi emitir um documento para a diretoria que é
quem teria que tomar as ações, copiando o Jurídico e o diretor de
Abastecimento".
AFASTAMENTO
"Depois
que eu apurei essa questão da área de comunicação, depois desse
processo todo da área de comunicação, a gente recebeu várias ameaças por
telefone. As minhas filhas deveriam ter 5 e 7 anos. Eram bem novas.
Tiveram
outros momentos mais difíceis. A opção que eles fizeram em 2009 foi me
mandar para o lugar mais longe possível, onde eu tivesse o menor contato
possível. Aparentemente, eu estaria ganhando um prêmio indo pra
Cingapura, mas o que aconteceu realmente foi que, quando eu cheguei lá,
me foi dito que eu não poderia trabalhar, que eu não poderia ter
contato.
Quando
me foi informado que seria afastada da minha função, o que foi dito
pela Petrobras é que não existia claramente nenhum dolo, nenhum
problema. Quando me foi informado, primeiro eu fiquei sabendo pelos
jornais, depois o gerente executivo me ligou e eu perguntei: quais as
razões? O que ele me respondeu foi o seguinte: estou passando o recado
do diretor. Ai eu disse: "então, por favor, me passa o telefone do
diretor que eu vou perguntar as razões".
O
diretor me ligou dizendo que eu estava sendo afastada por falhas em
procedimentos administrativos, mas que ele não tinha lido o relatório
direito, mas que ia conversar e me dar uma resposta. Eu vendo que não
tinha clareza nos motivos, como não sabia o motivo, não me foi dado
direito de defesa e não foi me dada informação.
Foi
aí que eu encaminhei relatório para a presidente Graça perguntando o
que tava acontecendo. Para a minha surpresa, na sexta de manhã eu recebo
um documento com a minha saída e, na parte da noite, eu recebo um
e-mail da presidente pedido para que o diretor jurídico verificasse as
providências".
ADITIVOS
"Nenhuma
área de negócio, não só a minha, nenhum gerente executivo, não só eu,
assina contrato ou aditivo. Todos os contratos ou aditivos são
negociados e assinados pela área de serviço".
CUMPLICIDADE
"Eu
trabalhei junto com Paulo Roberto, isso eu não posso negar. Trabalhei
na diretoria de Abastecimento a partir de 2005. Eu diria que, de 2005 a
2006, foi um trabalho muito voltado para melhoria da gestão de
abastecimento que culminou no prêmio nacional de responsabilidade.
Eu
trabalhei com Paulo Roberto. Esse documento se refere à época desse
problema da comunicação que eu falei. Quando começamos a trabalhar, eu
falo isso para todos que sou subordinada: eu só trabalho mediante os
procedimentos e código de ética. Não trabalho se tiver que contrariar
isso. Então, quando começou a acontecer, foi o caso do desvio da
comunicação.
Então,
o que eu quis dizer foi: você está me assediando, eu não vou fazer
isso, e o desgaste foi muito grande e a história toda já foi contada. Em
momento nenhum eu cedi. Se eu tivesse participado de algum esquema, eu
não estaria aqui hoje. Eu não teria feito a denúncia. Não teria ido ao
Ministério Público e entregue o meu computador com todos os documentos
que eu tenho desde 2002".
Código de ética
"Na
verdade, as atitudes (que levaram ao afastamento do cargo) não foram
fora da ética, nem fora da norma. Foram atitudes pouco corriqueiras para
um empregado que quer ver as coisas sendo feitas da forma correta, por
um empregado que quer denunciar as coisas escrevendo. Eu escrevi. Eu não
entrei na sala e falei, eu registrei. Quando eles falam que eu estou
fazendo uma coisa fora do código de ética... Denunciar irregularidade é
fora do código de ética?".
Família
"Eu
tinha uma família, sim. Um apartamento, marido, duas filhas.
Simplesmente o que eles fizeram foi me afastar do meu país, das empresas
que eu tanto gostava, dos meus colegas de trabalho. Eu fui para
Cingapura, eu não vi minha mãe adoecendo. Minha mãe ficou cega, fez
transplante de coração, eu não pude acompanhar. Meu marido não pode mais
trabalhar, ele teve que retornar. Eu fui o tempo todo pressionada para
fazer coisas que não eram dentro do código de ética da empresa, a única
coisa que me sobrou foi meu nome e quando eu vi que eles colocaram meu
nome associado a coisas que eu não fazia eu chamei minhas duas filhas e
falei "ou eu reajo e tento fazer, limpar meu nome, ou vou deixar isso
acontecer, a gente vai ter uma certa tranquilidade agora e o trator vai
passar por cima depois. O que vamos fazer?" E minhas filhas falaram
"vamos reagir". "
Contratos com o ex-marido
"Na
verdade, foram dois contratos, um em 2004 e outro em 2006. Eu me casei
em 2007 e a condição para assumir o relacionamento era que o contrato
fosse descontinuado. No momento que a gente assumiu a relação, a
condição foi: vamos interromper porque tem conduta de ética dentro da
Petrobras e minha de que eu não posso continuar. E isso foi feito com
parecer jurídico. Agora, só posso dizer que a empresa (dele) é muito
competente. Não fui só eu que fiz. A atual presidente, quando trabalhava
na diretoria de Gás, também assinou contrato com ele e depois, em 2008,
também assinou contrato com a empresa para fazer integração dos modelos
de gestão das termoelétricas. Ela fez isso com base nas características
técnicas".
Ir até o fim
"Eu
vou até o fim, sim. Eu também tenho muito medo. Eu não posso falar que
eu não tenho, porque no momento que você denuncia, ao invés de ver
respostas para as denúncias, você vê, simplesmente, a empresa tentando o
tempo todo falar: "você não é competente, fez um monte de coisa
errada". O tempo todo as pessoas tendo que responder, mostrando
documentos, que aquilo não é verdade.
É
uma máquina que passa por cima da gente. Eu tenho medo? Eu tenho, mas
eu não vou parar. Eu espero que os empregados da Petrobras - porque eu
tenho certeza que não fui só eu que presenciei - criem coragem e comecem
a reagir. Nós temos que fazer isso para poder, realmente, fazer a nossa
empresa ser de volta o que era. A gente tem que ter orgulho.
Os brasileiros têm que sentir orgulho dessa empresa. Eu vou até o fim e estou convidando vocês para virem também".
Objetivo
"O
que eu quero é uma empresa limpa. O que eu quero é que os funcionários
da Petrobras possam sentir orgulho de trabalhar nessa empresa. O que eu
não quero é ouvir o que a gente ouve quando entra no táxi e fala assim:
"O senhor pode me deixar ali na Petrobras?". Aí vem a brincadeira: "Você
vai lá pegar seu trocado?". Eu não quero isso. O corpo técnico não
merece isso. Por isso é que eu estou aqui passando por todo esse
desgaste que não é pequeno para gente conseguir reerguer essa empresa
novamente".
Fonte: O Globo/EBC.
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