O
líder do PMDB na Câmara diz que sua bancada não indicará mais ninguém
para o governo – e acusa o PT de ter um projeto de “dominação completa
do poder político”
O deputado Eduardo Cunha,
do PMDB do Rio, é o mestre da articulação política no Congresso.
Ninguém conhece as minúcias do regimento da Câmara como ele. Cunha sabe
como encontrar as brechas certas para acelerar – ou empacar – qualquer
pedaço de legislação. E, o mais importante, sabe como convencer seus
colegas a apoiá-lo em seus ardis políticos, quase sempre destinados a
retaliar o governo de Dilma Rousseff. Não é à toa que Cunha, embora
esteja ainda em seu terceiro mandato, já é líder do PMDB – e principal
artífice da aliança de nove partidos e 260 deputados conhecida como
“Blocão”. Criticado por líderes do PT, entre eles o presidente do
partido, Rui Falcão, Cunha afirma, nesta entrevista a ÉPOCA, que o PMDB
não quer mais cargos no governo.
ÉPOCA – O que querem os deputados do Blocão?
Eduardo Cunha – Vou
deixar claro primeiro o que não queremos: cargos no governo. Zero,
nenhum ministério, nada. Abrimos mão dos cargos. A bancada do PMDB não
indicará mais cargos no governo Dilma.
ÉPOCA – É difícil acreditar que o PMDB abdique do que mais gosta...
Cunha – Essa
visão do PMDB como um partido meramente fisiológico, que vive
mendigando cargos, tem muito de fantasia. É uma fantasia maniqueísta,
que dá ao governo o falso argumento de que está, ao não respeitar a base
aliada, apenas agindo eticamente, como arauto da moral, resistindo aos
maus da política. Balela. Serve para justificar a incompetência do
Planalto no diálogo com os parlamentares que deveriam, afinal, integrar
um governo de coalizão. E para dizer: “O PMDB é assim mesmo, chantageia o
governo até obter mais um ministério”. A gente não quer isso. Aloizio Mercadante: no governo da bronca, o homem do diálogo
ÉPOCA – Qual o propósito do Blocão, então?
Cunha – O
Blocão é uma aliança informal entre partidos cansados de ser
negligenciados pela articulação política do governo. Alguns dizem que é
uma costura feita por nós, do PMDB, para enfraquecer o governo. Não é
verdade. É uma aliança sem líder. São partidos que têm uma reclamação
generalizada em relação ao governo, mas que querem continuar na base,
desde que sejam respeitados. Resolvemos nos unir porque não há mais
alternativa de diálogo qualificado. O governo age como se os aliados
fossem satélites sem importância.
ÉPOCA – Por que não há mais alternativa?
Cunha – As
eleições estão chegando, e os deputados perceberam que o PT, em
coordenação com o Planalto, trabalha para conquistar uma hegemonia sem
precedentes. Na ponta, o PT usa a máquina, explora programas do governo,
como entrega de máquinas agrícolas e ônibus escolares. O deputado do PT
tem informação privilegiada do governo e entregará a máquina no
município de um deputado do PMDB. Isso produz enorme lucro político.
Acontece em todos os ministérios, no país inteiro. O PT elegerá 130
deputados em 2014, saindo dos atuais 87 – o que daria ao partido um
tempo de TV recorde nas eleições municipais de 2016. Se o PT aumentar a
bancada, muita gente da base aliada percebeu que não voltará a Brasília
no próximo ano. Se o partido tiver menos tempo de TV, nossos prefeitos
correrão o mesmo risco em 2016. Bateu o desespero em todo mundo.
ÉPOCA – O PMDB só percebeu agora que, ao lado do PT, sempre será vice, um ator coadjuvante, no máximo?
Cunha – Não
é questão de hierarquia. É questão do que é melhor para o partido. Há
quatro anos, antes de fazer aliança com o PT, o PMDB era maior. Na
verdade, a relação PMDB/PT ficará como ocorre com DEM e PSDB. Viraremos o
DEM do PT. Um satélite do PT. É isso o que eles querem. O PT tem
projeto hegemônico, de dominação completa do poder político. Por isso,
sempre terá candidato a tudo, tenderá a ocupar todos os espaços. Isso já
ficou claro. O PT não faz um projeto de parceria. É nesse contexto que
surge o Blocão. O governo e o PT tratam os outros partidos da mesma
maneira. Os deputados se revoltam contra isso.
ÉPOCA – No que dará essa revolta? O Blocão quer ver o circo pegar fogo para o governo?
Cunha – Claro
que não. Vamos botar fogo no circo, se estamos nele? Não faria sentido.
Tanto que, ao criar essa aliança, fizemos questão de manter o
compromisso, assinado pelo PMDB no ano passado, de preservar a
responsabilidade fiscal no que for votado no Congresso. Não aprovaremos
projetos que causem impacto negativo nas contas públicas. Isso está
preservado. Buscamos uma ação política para escolher temas que a gente
possa apreciar de maneira independente, que nos ajudem a mostrar serviço
para os eleitores. Mas o movimento da aliança – repito – é em reação ao
projeto hegemônico do PT.
Cunha – É
algo que terá de ser discutido até a convenção do PMDB, em junho. Se o
PT insistir em ocupar todos os espaços, teremos de refletir com bastante
atenção se vale a pena permanecer nessa aliança.
ÉPOCA – É o vice-presidente, Michel Temer, que ainda segura essa aliança com o PT?
Cunha – Michel
Temer é aquele fiozinho que está arrebentando. Se não fosse a presença
do Michel e ele ser uma figura de que a gente gosta, essa aliança tinha
tudo para morrer agora. Se a aliança se mantiver, será mais por Michel
do que por qualquer outro motivo. Isso não é bom para o partido. Não
fizemos uma aliança para ser personalizada. A gente fez uma aliança
achando que o PMDB estava entrando no governo. Engano. Não somos
consultados a respeito de nada. O PMDB não participa de reuniões
estratégicas. O Planalto só se lembrou da gente durante os protestos de
junho, quando precisou de apoio. Ajudamos. Fomos leais. Mas eles não
foram. "Vamos botar fogo no circo, se estamos nele? Não faria sentido"
ÉPOCA – O que a presidente Dilma Rousseff precisa fazer para acalmar os deputados do Blocão?
Cunha – Ela
pode fazer o gesto do respeito político. Ter uma atitude equânime, de
respeito a todos. Infelizmente, não acho que dê mais tempo de consertar o
estrago político para a maioria dos deputados. Mesmo que o Planalto
execute as emendas parlamentares que deveria, como, aliás, havia
prometido, temos apenas três meses até que a lei eleitoral proíba o
governo de gastar. Mas é possível, para Dilma, enfrentar o problema com
respeito. Dialogar conosco.
ÉPOCA – Muitos
deputados reclamam que o governo paralisou o Congresso, ao enviar
projetos com urgência constitucional, que trancam a pauta. É uma tática
deliberada para anular o Congresso?
Cunha – Claro.
Quando o governo optou por colocar projetos de urgência constitucional,
vários deles, colocou com o objetivo de trancar a pauta. A pauta está
paralisada desde outubro, por causa do marco civil da internet. O
governo, ao trancar a pauta, impede que os parlamentares exerçam seu
papel de legislar. A gente não conseguirá mostrar na eleição
absolutamente nada, porque a pauta está trancada. Não temos nada para
mostrar para a base. O governo age espertamente. Não quer que se vote
nada. Apenas o que ele quer fazer, por medida provisória. É uma forma de
tentar controlar o Congresso. Essa é a estratégia política do governo,
equivocada. É uma estratégia de curto prazo. Agora, no Congresso não tem
bobo. Todo mundo já percebeu. E isso aumenta a revolta.
ÉPOCA – A presidente Dilma Rousseff comenta com auxiliares que o senhor é o principal adversário no Congresso. O que o senhor acha?
Cunha – É,
no mínimo, injusto. Se alguém teve um comportamento, como líder do
PMDB, ajudando o governo num dos momentos mais difíceis do mandato dela,
fui eu. Atuei para derrubar todos os projetos que tinham impacto
fiscal. Não faltei com a lealdade em nenhum momento. Agora, você ser
leal ou estar aliado não significa subserviência. Sou aliado, porém
penso. Tenho opinião. Minha bancada pensa. Tenho de exercer o que a
maioria de minha bancada pensa. É ela que me legitima. Tenho de ser
respeitado por isso. O PT acha que pode tratar aliados com migalhas: dão
as ordens, e os aliados têm de obedecer. Comigo, infelizmente, não é
assim. Na visão deles, aliado que questiona ou debate vira adversário.
ÉPOCA – O senhor fará a campanha para a presidente?
Cunha – Se for decisão do partido apoiá-la, sim.
ÉPOCA – E se houver segundo turno?
Cunha – Dependerá do comportamento do PT.
ÉPOCA – Sente saudade do Lula como presidente?
Cunha – Muita.
O tratamento do governo do presidente Lula com a classe política foi
infinitamente melhor que o tratamento dispensado hoje.
Fonte: DIEGO ESCOSTEGUY - Revista Época.
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