PT afirma que modelo político-eleitoral favorece corrupção; especialistas apontam diversionismo
Com o julgamento do mensalão chegando ao fim e as prisões dos
principais personagens do escândalo já efetivadas, o PT pretende
reforçar em seus debates internos e documentos a tese de que o partido
é vítima do sistema político atual. A primeira versão do texto base
do 5o Congresso do PT, que será aberto em dezembro com o objetivo de
renovar o programa partidário, afirma que o partido é "prisioneiro de
um sistema eleitoral que favorece a corrupção".
Uma tese que petistas repetiram nos últimos dias diante das prisões
de companheiros de partido, condenados por crimes como corrupção ativa
e formação de quadrilha, e que é refutada como justificativa até
mesmo por especialistas que consideram verdadeira a afirmativa de que o
sistema político-partidário no Brasil é viciado.
O texto foi escrito pelo assessor especial da Presidência da
República, Marco Aurélio Garcia, e ainda será emendado. Ele foi
apresentado em reunião do Diretório Nacional do PT na última
segunda-feira.
"Embora crítico da tendência à conciliação que marcou a evolução
histórica do Brasil, o partido não avançou o suficiente no sentido
de alterá-la e imprimir um novo rumo e ritmo à sua política, ficando
prisioneiro de um sistema eleitoral que favorece à corrupção e de uma
atividade parlamentar que dificulta a mudança, a despeito da vontade
das forças de esquerdas", diz um trecho do documento.
Na mesma linha dos debates da eleição interna que reelegeu o
presidente do PT, Rui Falcão, no início do mês, marcados por
críticas à política de alianças do governo Dilma Rousseff, sobretudo
com o PMDB, o texto afirma: "(...) houve enormes limitações em nossas
tentativas de mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa
de força que impede transformações mais profundas e impõe um
'presidencialismo de coalizão', sem conteúdo programático".
O PT se agarrou à defesa da reforma política como bandeira ética, em
contraponto ao escândalo do mensalão, e como uma forma de dar suporte
à presidente Dilma, que teve sua proposta de fazer um plebiscito sobre
o assunto implodida pelo Congresso. Um dos pontos principais defendidos
pela direção do partido é o financiamento público exclusivo de
campanha. Petista histórico, o ministro Gilberto Carvalho (Secretaria
Geral da Presidência) disse anteontem que o PT foi induzido a práticas
condenáveis por conta do financiamento privado de campanha e que, sem
reforma política, não há condição de ter partidos "decentes" no
Brasil.
O cientista político David Fleischer, professor da Universidade de
Brasília (UnB), defende a adoção do voto distrital e do financiamento
público como medidas moralizadoras, mas, na sua opinião, o PT investe
na bandeira da reforma política, neste momento, para desviar o foco do
escândalo do mensalão.
- Isso é para desviar a atenção - diz o professor, que faz questão
de estender a crítica: - Já os tucanos dizem que todas as acusações
do caso Alstom são obra do PT. Cada um tem sua ficção.
Ricardo Caldas, também cientista político e professor da UnB,
concorda com o diagnóstico feito pelo PT sobre o sistema político, mas
ressalva que não foi apenas isso que levou os partidos a se envolverem
no esquema do mensalão:
- Não é exclusivamente, mas é principalmente. O sistema político é o principal fator (que favorece a corrupção).
- O atual modelo favorece a corrupção eleitoral e o mensalão é isso
- afirma, por sua vez, o cientista político Fernando Abrucio, da
Fundação Getulio Vargas (FGV).
A convocação do 5o Congresso do PT surgiu da preocupação com a
burocratização do partido e do afastamento de suas bases e dos
princípios depois de dez anos no comando do governo federal.
Integrantes da corrente majoritária do PT, no entanto, consideraram um
erro realizar o evento no mês que vem. A preocupação era que as
discussões para a renovação partidárias soassem como um esboço de
proposta de governo para um segundo mandato da presidente Dilma, e
gerassem ruídos na pré-campanha. Diante disso, a abertura do 5o
Congresso acontecerá de 12 a 14 de dezembro e ele só será retomado em
2015, quando os debates serão aprofundados e concluídos.
Na primeira versão do texto os petistas também resgatam o discurso da
herança maldita do governo Fernando Henrique Cardoso, citando
recessão, juros abusivos, fortes pressões inflacionárias, descontrole
cambial e vulnerabilidade externa. O documento coloca como desafio para
o PT na política econômica impulsionar o crescimento, preservando a
estabilidade macroeconômica.
Fonte: Fernanda Krakovics - O Globo
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