Documentos
em posse da Polícia Federal e do Ministério Público revelam que uma
transportadora de Betim pode estar sendo usada para esquentar parte dos
R$ 500 milhões desviados da União e para o pagamento de propinas.
Uma transportadora de veículos localizada em Betim, Minas Gerais, pode
ser a chave para desvendar um esquema de lavagem de dinheiro e pagamento
de propina a autoridades ligadas ao Ministério do Trabalho. A AG Log
Transportes foi criada em 2010 por Ana Cristina Aquino, uma emergente
social que costuma pagar revistas de celebridades para falar quanto
gasta com os eventos que promove.
Apesar de não prestar serviços a
nenhuma grande empresa, a transportadora declarou ter faturado, de junho
de 2012 a junho de 2013, R$ 112 milhões, uma enormidade perto do que
faturam empresas do setor. Em apenas três anos de funcionamento, período
que a maioria das companhias leva para maturar um negócio e não
embolsar lucros milionários, Ana adquiriu jatinho, helicóptero e uma
dezena de carros de luxo – e tem orgulho de tornar pública a gastança. É
a origem desse dinheiro que a Polícia Federal quer descobrir.
Seria apenas um caso de excentricidade não fossem os detalhes estranhos
que envolvem a história. O primeiro deles é a relação entre a AG Log e o
advogado João Graça, integrante da cúpula do PDT nacional e assessor
especial do ministro do Trabalho, Manoel Dias. Graça, que foi assessor
do ex-ministro Carlos Lupi, não aparece em nenhum documento oficial da
empresa como sócio ou cotista e nega qualquer participação na sociedade.
Entretanto, a sede da transportadora em Curitiba foi registrada no
mesmo endereço do escritório de advocacia Graça Associados, do qual é o
fundador. Há dois meses, enquanto representava o ministério em um evento
promovido pela Câmara dos Deputados, Graça sacou do bolso uma dezena de
cartões de visita da transportadora, enquanto explicava que estava sem o
cartão do novo cargo no ministério. Não é só. Um e-mail obtido por
ISTOÉ traz uma conversa entre Ana Cristina e João Graça. Na mensagem
enviada a Graça, Ana se refere à AG Log como “nossa empresa”.
Outros documentos com detalhes das operações financeiras da
transportadora estão sendo analisados pela Polícia Federal e pelo
Ministério Público. Eles constam do inquérito da Operação Esopo, que há
dois anos investiga desvios de recursos do Ministério do Trabalho, sob o
comando do PDT, e prováveis pagamentos de propinas a servidores
públicos. A operação prendeu 22 pessoas e as suspeitas são de que cerca
de R$ 500 milhões tenham sido desviados do ministério nos últimos anos.
Agentes que trabalham nas investigações afirmam que o caso não foi
concluído ainda porque houve problemas operacionais. Os 11 especialistas
que fizeram os primeiros laudos foram substituídos meses antes das
prisões por conta de uma greve, que deteriorou o andamento dos
trabalhos. Graças à falta de pessoal, a PF enfrenta dificuldades para
avançar nas apurações e oferecer a denúncia referente à Esopo. Por isso,
a documentação em poder da polícia sobre a transportadora de Ana
Cristina e suas despesas ainda não foi inteiramente analisada.
Alguns fatos, entretanto, chamaram a atenção durante a análise do
inquérito. Uma planilha de despesas da AG Log revela que a empresa
justificou gastos de R$ 3 milhões como referentes à regulamentação do
Sindicato dos Cegonheiros de Pernambuco (Sincepe). Detalhe: a
solicitação de registro do Sincepe tramita atualmente no Ministério do
Trabalho. De acordo com documentos apresentados ao próprio ministério,
Ana Cristina consta como presidente do Sincepe e um de seus filhos
integra o conselho fiscal. O escritório de João Graça advogou pela
criação do sindicato até março de 2013.
Em abril, de acordo com
documentos obtidos por ISTOÉ, a AG Log começou a gastar, mensalmente, R$
600 mil para a formatação do sindicato. Segundo a planilha de gastos da
empresa, foram cinco cheques de R$ 600 mil (que totalizam R$ 3 milhões)
depositados de abril a agosto. A última movimentação no processo de
criação do Sincepe ocorreu no dia 17 de outubro, quando o coordenador de
registro sindical, Cesar Haiachi, encaminhou ofício para Ana Cristina
solicitando o envio de documentos para a conclusão do processo de
regulamentação.
CONTATO O ex-ministro Carlos Lupi: João Graça foi seu assessor |
Ana Cristina chamou a atenção das autoridades pelo despudor com que
exibe seus dotes econômicos. Ela costuma usar um helicóptero diariamente
e, para ir da casa onde mora em Betim (MG) ao escritório, escolhe um
entre os seis modelos de carros de luxo estacionados em sua garagem.
Entre os bólidos, um Corvette vermelho e um jipe Cherokee. Nos jornais,
costuma dar entrevistas falando do gosto por joias e roupas.
Na festa de
inauguração da empresa, que contou com a presença do advogado João
Graça, Ana Cristina fez declarações sobre seu sucesso financeiro. No
aniversário da filha, contratou o cantor Gustavo Lima, que até foi
buscar a adolescente na escola dirigindo um Camaro amarelo. As contas da
festança, de mais de R$ 1 milhão, também constam na planilha de gastos
da transportadora. Desde a festa, o cantor sertanejo estreitou os laços
com a família Aquino e agora está prestes a se tornar sócio da
transportadora.
Segundo ex-funcionários de Ana Cristina, João Graça se afastou nos
últimos meses por discordar da forma como a empresária atua nos
bastidores do poder. À ISTOÉ, Graça afirmou jamais ter sido sócio da
empresa (leia quadro). “Nunca utilizei e usei do meu cargo para
locupletar-me para absolutamente nada”, disse. “Tanto é fato que
quaisquer acusações sempre foram refutadas pela minha história. O único
patrimônio que possuo é meu nome, e zelo por ele.” Sobre o e-mail
trocado com a Ana Cristina em que ela se refere a uma sociedade com ele,
João Graça afirma o seguinte: “Nada tenho a dizer porque desconheço seu
conteúdo. Reitero que jamais fui sócio da Ana Aquino e ouso a qualquer
um provar o contrário.”
Entretanto, segundo os registros de mensagens
eletrônicas, ele não apenas teve conhecimento dos emails como respondeu
uma hora depois, utilizando um celular BlackBerry. Ana Cristina não
retornou as ligações da ISTOÉ e não respondeu a nenhum dos quatro
e-mails que questionavam as suspeitas em torno da sua empresa. O grande
desafio da polícia nos próximos meses será rastrear a origem das
receitas da empresa e as operações da transportadora, separando o que
podem ser gastos legítimos dos ilegítimos. Até lá, Ana Cristina
continuará levando uma vida de milionária.
Fonte: Izabelle Torres - Revista ISTOÉ - N° Edição: 2293
foto: RAFAEL MOTTA / NITRO.
fotos: CELSO JUNIOR / ESTADO CONTEúDO/AE; Pedro Ladeira / Folhapress.
fotos: CELSO JUNIOR / ESTADO CONTEúDO/AE; Pedro Ladeira / Folhapress.
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