Ou: é o financiamento público de campanha, estúpido!
Não vejo como algo “normal” que o PT tenha feito caixa 2 para eleger
Lula em 2002. Não acho “normal” que o PT, partido que cresceu prometendo
ser diferente dos demais, tenha agido igualzinho aos outros. Sim, acho
justo que políticos comecem a pagar por estes erros. Mas não, não acho
que a prisão de José Dirceu é, como pinta a grande imprensa, um
acontecimento capaz de mudar toda a maneira como se faz política no
Brasil. Como se a prisão de uma só pessoa fosse uma espécie de derrubada
das torres gêmeas da corrupção. Isso é mentira, um artifício para
manipular o eleitor contra o PT e encobrir algo muito maior que Dirceu.
Escrevo para você, vítima do mau jornalismo de veículos que colocam o
ex-ministro da Casa Civil de Lula na capa, com ares de demônio, e
promovem biografias mal-escritas (leia aqui e aqui) onde Zé Dirceu é
pintado como “o maior vilão do Brasil”. Você, que se empolga com as
manifestações quando elas ganham espaço na mídia, mas não vai a fundo
nas questões quando passa a modinha. Você, que repete chavões ouvidos no
rádio e na televisão contra a corrupção, embora ache política um
assunto chato e fuja de leituras mais aprofundadas sobre as razões pelas
quais a tal roubalheira existe. Eu vou tentar te explicar.
Zé Dirceu e os “mensaleiros”, ao contrário do que estes orgãos de
desinformação tentam lhe convencer, não são a causa da corrupção na
política, mas a consequência dela. Infelizmente, no Brasil, para eleger
um político é preciso ter dinheiro, muito dinheiro. E é preciso fazer
alianças com Deus e o Diabo. Não foi Zé Dirceu que inventou isso, é a
forma como a política é feita no País que leva a essa situação. As
campanhas são financiadas com dinheiro de empresas, bancos,
construtoras. Você daria milhões a um político? E se desse, não ia
querer nada em troca? Para você ter uma ideia de como são as coisas, o
verdadeiro erro do PT neste episódio foi não declarar, nas prestações de contas
eleitorais, que estava dando dinheiro para outro partido. Declarando,
dar dinheiro a outro partido é perfeitamente legal, imagine!
Nenhum destes órgãos de imprensa que crucificam Dirceu foi capaz de
explicar para seus leitores que só o financiamento público de campanha
poderia interromper este círculo vicioso em que entrou a política
nacional desde a volta da democracia: rios de dinheiro saem de
instituições privadas para todos os candidatos durante as eleições. Em
2010, a candidata vencedora Dilma Rousseff, do PT, arrecadou 148,8
milhões de reais de construtoras, bancos, frigoríficos, empresas de
cimento, siderurgia. O candidato derrotado José Serra, do PSDB,
arrecadou 120 milhões de reais também de bancos, fabricantes de bebidas,
concessionárias de energia elétrica.
Quem, em sã consciência, acredita que um político possa governar de
maneira independente se está financeiramente atrelado aos maiores grupos
econômicos do País, em todos os setores? Muitos especialistas defendem
que esteja nessa promiscuidade da política com o capital privado a
origem da corrupção. Eu concordo. Não existe almoço grátis. Só um
ingênuo poderia achar que estas empresas, ao doarem milhões a um
candidato, não intencionam se beneficiar de alguma forma dos governos
que ajudam a eleger. Prender José Dirceu não vai mudar esta realidade.
Se, na próxima semana, o ministro Joaquim Barbosa decretar a prisão
imediata dos “mensaleiros” e isto fizer você pular de alegria, lembre-se
do velho ditado: “alegria de pobre dura pouco”. Enquanto José Dirceu
estiver na cadeia, pagando, justa ou injustamente, pelos erros da
política nacional, as mesmas coisas pelas quais ele foi condenado
estarão acontecendo aqui fora. A prática nefasta do caixa 2, por
exemplo, não vai presa junto com Dirceu. As negociatas no Congresso não
vão para detrás das grades. As alianças com o conservadorismo, com o
agronegócio, com as empreiteiras, continuarão livres, leves e soltas.
Sem uma reforma profunda, todos os males da política continuarão a
existir no Brasil a despeito da prisão de Dirceu ou de quem quer que
seja. Leia o noticiário, veja se a reforma, a despeito das promessas
após as manifestações de junho, está bem encaminhada. Que nada! Ao
contrário: o financiamento público de campanha foi o primeiro item da
reforma política a ser escamoteado pelos congressistas. Não interessa
aos políticos que o financiamento privado acabe –e, não sei exatamente
por que, tampouco interessa à grande imprensa. Nem um só jornal defende
outra forma de financiar a política a não ser a que existe hoje, bancada
pelo dinheiro das mesmas empresas que irão lucrar com os governos. Uma
corrupção em si mesma.
O financiamento público de campanha poderia reduzir, por exemplo, os
gastos milionários dos candidatos em superproduções para aparecerem
atraentes ao público no horário gratuito de televisão, como se fizessem
parte da programação habitual do canal. Político não é astro de TV. O
correto seria que eles aparecessem tal como são, sem maquiagem. Sem
tanto dinheiro rolando, também acabaria um hábito nefasto que até o PT
incorporou nas últimas campanhas: pagar cabos eleitorais para agitarem
bandeiras nos semáforos. Triste da política e dos políticos quando
precisam trocar o afeto de uma militância genuína por desempregados em
busca de um trocado.
Sinto dizer a você, mas a única diferença que haverá para a política
nacional quando José Dirceu for preso é que ele estará preso. Nada mais.
E sinto muito destruir outra ilusão sua, mas tampouco mudará a política
brasileira a morte de José Sarney, que vejo muita gente por aí
comemorando por antecipação. O buraco é mais embaixo e muito mais
profundo. Eu pessoalmente trocaria a morte de Sarney e a prisão de
Dirceu por um Brasil que soubesse escolher melhor seus representantes. E
fosse capaz, neste momento, de lutar pelo que de fato pode revolucionar
a política: o financiamento público de campanha. Alguém está disposto
ou a prisão de Zé Dirceu basta?
Fonte: Carta Capital / Socialista Morena.
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