Projeto de lei aprovado pelos deputados distritais prevê o pagamento de dinheiro a delatores de desvios de recursos públicos no Distrito Federal. O assunto é controverso e pode ser questionado pela OAB
No
que depender da Câmara Legislativa, o Distrito Federal voltará à época
do Velho Oeste americano. Um projeto de lei aprovado pelos deputados
distritais estabelece uma recompensa para quem delatar às autoridades
esquema de corrupção, caso a denúncia provoque a recuperação de verba
desviada e se transforme em uma ação penal pública. O prêmio será
equivalente a 10% do recurso resgatado e poderá ser pago em dinheiro. No
caso de mais de um denunciante, a gratificação será dividida. O
primeiro a informar o delito ficará com a maior parte (70%) do prêmio e
os outros terão direito a 30% do montante. A proposição seguiu ontem
para sanção do governador Agnelo Queiroz (PT).
A matéria foi aprovada em 27 de junho, com 22 votos favoráveis no
primeiro turno, e 15 no segundo turno — a Câmara tem 24 distritais. A
votação foi simbólica — quando não há registro individual de votos — e
nenhum dos deputados presentes no plenário se opôs ao projeto,
apresentado por Israel Batista (PEN). Na proposta, o parlamentar
justificou que os crimes contra a administração pública são prejudiciais
à população e atingem direitos como a educação e a saúde. Ele diz que o
objetivo é incentivar delações a fim de inibir a corrupção e estimular a
fiscalização pública.
Especialistas ouvidos pelo Correio questionam a competência da Câmara
em legislar sobre o assunto. Para o cientista político Leonardo Barreto,
retirar parte do recurso roubado dos cofres públicos e entregá-lo para
um delator é desviar o dinheiro duas vezes. Barreto comparou a situação a
um roubo de caminhão de carga, no qual a pessoa que teve conhecimento
do crime e entregou os ladrões às autoridades leve certa quantidade do
carregamento para casa, como recompensa pelo ato. “Se quer incentivar um
comportamento mais correto, talvez, sim, com uma premiação, mas nunca
com o produto do roubo”, alertou.
Barreto destaca que os recursos públicos devem ser revertidos em
benefícios para a população, em investimentos em educação, saúde,
infraestrutura e segurança, por exemplo. Reparti-los com um número
restrito de pessoas, mesmo que com um bom propósito é, para o também
cientista político Valdir Pucci, começar “um jogo de soma zero”. “O
Estado não ganha, a sociedade não ganha, não tem retorno para ninguém”,
disse, ao chamar atenção, também, para o excesso de denúncias que a
proposta pode provocar. “Pagar por esse serviço pode acender uma onda de
denuncismo, que também terá prejuízos para o Estado. É preciso analisar
como essa informação será recebida e tratada, para não virar outro
problema, de investigações inválidas e consequências ruins para pessoas
inocentes”, acredita.
Crivo da Ordem
A tendência é de que a Ordem dos Advogados do Brasil do DF (OAB-DF)
discuta a proposta na sua Comissão de Direito Constitucional. A decisão
dependerá do posicionamento do governador Agnelo Queiroz. Se sancionar a
lei, a OAB-DF poderá apresentar uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) a fim de contestar a matéria no Tribunal de
Justiça do DF e dos Territórios. “Tenho minhas dúvidas se esse texto é
constitucional. A OAB analisará a constitucionalidade tanto formal e
material quanto o vício de iniciativa, no que diz respeito ao conteúdo
da norma”, detalhou o secretário-geral da Ordem, Juliano Costa Couto.
De acordo com o projeto, o direito à recompensa é devido apenas quando
os respectivos acusados são condenados pelo crime contra a administração
pública. Também é imprescindível que o dinheiro desviado seja devolvido
aos cofres públicos. De acordo com o texto, pessoas envolvidas,
parentes de autores e coautores de práticas criminosas não poderão
receber benefício algum. Ou seja, o ladrão não pode ser premiado com o
produto do próprio roubo.
O fundador e secretário-geral da Organização Não Governamental Contas
Abertas, Gil Castelo Branco, acredita que a obrigação de todo cidadão é
agir contra o que é errado. Recompensar quem age corretamente, segundo o
especialista, não é uma atitude ética. Gil acredita até que pessoas de
má-fé poderão montar esquemas de corrupção para, logo depois, entregarem
a fraude e ganharem dinheiro pelo ato. “A remuneração vai contra os
princípios da cidadania. No nosso país, vai ter conluio de quem roubou
com quem denunciou”, aposta.
O deputado autor do projeto, integrante da base governista, tem
consciência da controvérsia e pretende ir ao Palácio do Buriti trabalhar
pela sanção de seu projeto. Segundo Israel Batista, é importante
reconhecer o risco que os denunciantes correm quando entregam grandes
esquemas de corrupção. “Uma pessoa quando faz uma denúncia sofre
consequências fortes, abusos de poder. Denunciar é um gesto muito
nobre”, defende o distrital.
Fonte: Correio Braziliense - Por Camila Costa
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