Responsável
no Supremo por dois recursos de autoria do Banco Mercantil do Brasil,
Dias Toffoli conseguiu R$ 1,4 milhão em créditos, além de descontos de
juros, numa operação considerada 'pouco usual' até por superintendente
da instituição
Toffoli durante sessão de julgamento do mensalão
Relator de processos do Banco Mercantil do Brasil, o ministro do
Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli obteve empréstimos de
R$ 1,4 milhão da instituição financeira, a serem quitados em até 17
anos. Com sede em Minas, o banco de médio porte concedeu desconto nos
juros dos dois empréstimos feitos pelo magistrado, após decisões nos
processos. A alteração assegurou uma economia de R$ 636 mil no total de
prestações a serem pagas.
Segundo o Código do Processo Civil, o Código de Processo Penal e o
Regimento Interno do Supremo, que tem força de lei, cabe arguir a
suspeição do magistrado quando alguma das partes do processo for sua
credora.
Toffoli relata ações do Mercantil desde que assumiu a cadeira no
Supremo, em 2009. Ele contraiu os dois empréstimos em 2011. A redução
dos juros, em abril deste ano, foi considerada "pouco usual" para os
padrões da instituição até por funcionário do banco.
O primeiro empréstimo, de R$ 931 mil, foi concedido em setembro de
2011, em 180 parcelas fixas de R$ 13,8 mil, a serem pagas até 2026.
Conforme escritura da operação, registrada em cartório, Toffoli deu como
garantia de pagamento sua casa no Lago Norte, em Brasília.
Liberado três meses depois, o segundo crédito, de R$ 463,1 mil, teve
pagamento definido em 204 prestações fixas de R$ 6,7 mil, com vencimento
até 2028. Para assegurar o pagamento da dívida, o banco aceitou o mesmo
imóvel de Toffoli, fazendo uma "hipoteca em segundo grau".
Em ambos os casos, os juros fixados num primeiro momento foram de 1,35% ao mês.
As parcelas inicialmente definidas nos contratos somavam R$ 20,4 mil,
mais que a remuneração líquida de Toffoli no Supremo à época, que girava
em torno de R$ 17,5 mil. Em abril deste ano, as duas partes repactuaram
os empréstimos, por meio de aditivos às cédulas de crédito originais,
registrados em cartório.
Conforme os registros, o banco baixou a taxa para 1% ao mês. Com a
alteração, a soma das prestações caiu para R$ 16,7 mil mensais -
representa um comprometimento de 92% dos ganhos atuais do ministro no
Supremo.
Toffoli afirmou ter outras fontes de renda e negou relação entre os
processos dos quais é relator e os empréstimos. O banco não quis se
pronunciar sobre o caso (mais informações abaixo).
Mais que VIP. O Estado consultou dois gerentes da agência responsável
pelo relacionamento com Toffoli, em Brasília. As taxas oferecidas para
empréstimo de mesma natureza e com garantias semelhantes a "clientes
VIP" variaram entre 3% e 4% ao mês, com parcelamento em, no máximo,
quatro anos.
O superintendente do Mercantil em Brasília, José Alencar da Cunha Neto,
representou o banco em uma das operações com Toffoli. Ele afirmou que
não participou da negociação, mas admitiu que a redução de juros, nas
condições descritas nas escrituras do negócio, é atípica: "Não saberia
dizer o que aconteceu com a negociação. Confesso que não é muito usual",
disse.
Segundo Cunha, a redução é mais comum quando o cliente oferece mais
garantias do pagamento. Assim, como o risco de calote fica menor, é
possível aliviar os juros. No caso do ministro, conforme os documentos,
isso não ocorreu.
Vaivém. Em um dos casos que Toffoli relata, o Mercantil tenta ser
compensado por contribuições que afirma ter feito em porcentual maior
que o realmente devido ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em
junho de 2011, três meses antes do primeiro empréstimo, Toffoli negou
recurso do Mercantil nesse processo. Segundo ele, não cabia reapreciação
do caso, com base na jurisprudência do tribunal, por se tratar de
"coisa julgada".
Depois de concedidos os dois empréstimos, em janeiro de 2012, ao
analisar um agravo regimental do banco, o ministro suspendeu o processo
até o julgamento de outros dois recursos nos quais foi reconhecida
repercussão geral de questão similar. Na prática, a decisão manteve o
caso em discussão no Supremo.
A repercussão geral é um instrumento que permite ao STF selecionar um
recurso, considerado relevante, para julgamento. A decisão nesse recurso
servirá de parâmetro para as demais instâncias em casos idênticos.
Em outro processo sob relatoria de Toffoli, o Mercantil questiona lei
que aumentou de 3% para 4% a alíquota da Cofins para bancos. O processo
foi distribuído ao ministro em 16 de setembro de 2011, 14 dias após o
primeiro empréstimo. Em 28 de novembro do mesmo ano, ele reconheceu
repercussão geral. "Foi uma decisão favorável, porque demonstra que é um
assunto que o STF vai discutir", disse a advogada Daniela Procópio, do
escritório que representa o banco.
Toffoli diz que operações financeiras são regulares
O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli
informou que os empréstimos com o Banco Mercantil do Brasil são
regulares e foram contraídos a juros de mercado.
Em nota, ele explicou que as operações foram registradas em escrituras
públicas do imóvel dado como garantia e declaradas à Receita Federal,
assim como os pagamentos ao banco.
O ministro disse ainda, por meio de sua assessoria, que seus
rendimentos "não se resumem aos vencimentos no Supremo Tribunal
Federal". Mas não quis detalhá-los.
O Estado enviou e-mails com questionamentos ao gabinete de Dias Toffoli
na noite de terça-feira, mas a maioria das perguntas não foi
respondida.
O ministro não deu explicações para a redução da taxa de juros pelo
Banco Mercantil, de 1,35% ao mês para 1% ao mês. Também não respondeu à
pergunta sobre eventual suspeição por julgar um banco que lhe emprestou
R$ 1,4 milhão.
"Quanto aos processos mencionados, é imperioso esclarecer que não há
nenhuma relação entre as decisões proferidas e os empréstimos
contraídos", diz a nota enviada por Dias Toffoli na noite de ontem.
Quanto à decisão envolvendo o recurso sobre INSS impetrado pelo banco, a
assessoria de imprensa limitou-se a relatar que o ministro negou
provimento a agravo sob sua relatoria, "o qual foi posteriormente
sobrestado para se aguardar o julgamento do RE (recurso extraordinário)
611.503 e do RE n.º 586.068, ambos com repercussão geral reconhecida
pelo STF".
Sobre o outro caso do Mercantil do qual é o relator, que questiona a
alíquota da Cofins aplicada a bancos, o ministro alegou não haver
decisão de mérito. "O tribunal tão somente reconheceu a repercussão
geral da matéria, que, oportunamente, será decidida pelo plenário da
corte", argumentou Toffoli, na nota.
Além da alíquota, o banco questiona em outros processos judiciais a
base de cálculo da Cofins. A Receita considera todo o faturamento para
mensurar a contribuição, o que, para a empresa, é inadequado.
O Mercantil não respondeu a perguntas enviadas pelo Estado. Em nota
oficial, justificou que, "em obediência às disposições legais de sigilo
bancário, encontra-se impedido de manifestar-se publicamente quanto à
movimentação bancária de seus clientes".
Médio porte - Com sede em Minas, o Mercantil do Brasil é
um banco de médio porte, com cerca de 150 agências. O grupo tem sete
empresas no segmento financeiro e outras cinco no não financeiro. Em
Brasília, a atuação é discreta, com apenas uma loja no Setor Comercial
Sul.
Fonte: Jornal Estado de São Paulo - Por Fábio Fabrini e Andreza Matais
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