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Comissão de Ética da Casa aprova relatório que aponta quebra de decoro
do distrital. Antes da votação, Massouh entregou à Polícia Civil
gravações e denunciou suposta extorsão com tentativa de venda de votos
pela sua absolvição
O relatório votado ontem destaca que
Raad Massouh (E) influenciou na retirada do delegado Flamarion (D) do
comando das investigações |
O destino do distrital Raad Massouh (PPL) está selado. Por quatro votos
favoráveis e uma abstenção (leia quadro), a Comissão de Defesa dos
Direitos Humanos, Cidadania, Ética e Decoro Parlamentar da Câmara
Legislativa autorizou, ontem, o encaminhamento do processo de cassação
por quebra de decoro contra o parlamentar ao plenário da Casa. Os
integrantes do colegiado aprovaram o relatório de Joe Valle (PSB), que
viu conduta inadequada do colega acusado de participar de um suposto
esquema de desvio de recursos de uma emenda de R$ 100 mil, em 2010. O
caso agora vai para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que vai
avaliar apenas aspectos formais e tem cinco sessões para dar o seu
parecer. Quando o processo chegar a plenário, se 13 dos 24 deputados
entenderem que houve quebra de decoro, Raad perde o mandato. Será a
terceira vez que a Casa vai analisar pedido de cassação de um distrital.
De acordo com o relatório, baseado em investigações policiais e do
Ministério Público, Raad teria controlado uma “empreitada criminosa” na
Administração Regional de Sobradinho para favorecer uma empresa de
realização de eventos, a MCM, criada legalmente a apenas seis dias do
primeiro show na área rural da cidade, em outubro de 2010. Ainda que o
projeto básico previsse que todo o recurso da emenda, de autoria de
Raad, seria para pagar os cantores, eles receberam apenas R$ 31 mil. De
acordo com os investigadores, R$ 18 mil foram para o promotor do evento e
R$ 47 mil pararam na conta do Sindicato de Turismo Rural de Sobradinho.
Conforme o Correio antecipou ontem, outro ponto que pesou no parecer de
Joe foi a tentativa de interferência de Raad no afastamento do delegado
Flamarion Vidal, então titular da Delegacia de Repressão a Crimes
Contra a Administração Pública (Decap), que estava à frente do caso.
Segundo o relatório, o distrital afrontou princípios do Código de Ética
da Câmara e também a Lei Orgânica do DF. “Resta inconteste que se
encontram presentes elementos caracterizadores de conduta incompatível
com a ética e com o decoro parlamentar”, diz trecho do documento de 171
páginas.
A sessão de ontem foi tensa. No fim da manhã, antes da votação do
relatório, Raad procurou a Polícia Civil do DF e registrou uma queixa de
tentativa de extorsão. Ele contou ao diretor-geral da corporação, Jorge
Xavier, e depois ao delegado Luís Alexandre Gratão, do Departamento de
Polícia Especializada (DPE), ter sido procurado por um pastor de
Sobradinho que lhe pediu R$ 1,3 milhão e depois R$ 2,7 milhões para que o
processo fosse arquivado. O religioso estaria falando em nome dos
deputados Dr. Michel (PEN), presidente da comissão, Joe Valle e Agaciel
Maia (PTC), titular do colegiado.
Raad contou que vem sendo procurado desde o último dia 8 e que gravou
várias conversas, por telefone e externas, que resultaram em mais de
duas horas de áudio. Ele entregou as provas ontem à polícia e já tinha
feito o mesmo com relação ao Ministério Público, onde se reuniu com a
procuradora-geral de Justiça, Eunice Carvalhido, no último dia 13. “Eu
não aceitei a extorsão e até pedi segurança policial para mim e para
minha família”, disse. No entanto, ele ressaltou que não acredita que
nenhum dos deputados citados estejam envolvidos na tentativa de suborno.
Ira dos colegas
O fato veio à tona justamente na data da apresentação do relatório e
provocou a ira de parte dos colegas da comissão. Patrício (PT) estranhou
que a denúncia tenha sido divulgada a poucas horas da leitura do
relatório. Já Dr. Michel disse que não é corrupto e que Raad deveria ter
mandado prender o pastor que foi pedir dinheiro em seu nome. A denúncia
pegou de surpresa Agaciel Maia. Após a leitura do documento elaborado
por Joe, ele disse que se sentia decepcionado e tentou fazer a defesa do
acusado — mais tarde, mudou a posição. “Fiquei um pouco decepcionado
com o relatório, porque achei que iria trazer alguma prova cabal”,
disse.
As insinuações de Agaciel provocaram a fúria de Joe Valle. Ele destacou
que as provas estão nos autos de mais de 3 mil páginas. “Não se pode
tratar o recurso público como se fosse seu. Se (o deputado) pressiona
para colocar em outro lugar de forma ilícita, não interessa se esse
dinheiro foi para conta de A, B, C ou D… Ele foi desviado de forma
ilícita”, disse. Raad afirmou estar tranquilo quanto à sua inocência. A
defesa dele insiste que o parlamentar não pode responder pelos atos do
ex-administrador regional Carlos Augusto de Barros, responsável pela
festa.
Documento produzido por Joe Valle cobra postura firme dos colegas em relação às denúncias contra Raad |
Cronologia
No centro da investigação
2010
O deputado distrital Raad Massouh (PPL) virou alvo de investigação em
outubro de 2010. Às vésperas da eleição, a Polícia Civil do Distrito
Federal recebeu denúncia sobre supostas irregularidades na aplicação de
recursos públicos em uma festa rural de Sobradinho. O dinheiro para a
promoção do evento — R$ 100 mil — foi liberado após emenda aprovada pela
Câmara Legislativa, de autoria do próprio Raad.
O evento que está no centro da polêmica foi realizado em 1º de outubro
de 2010, às vésperas das eleições. A festa, cujo projeto básico era para
acontecer em dois dias, com cinco atrações e para um público de cerca
de 10 mil pessoas, ocorreu em apenas um dia e para cerca de 100 pessoas,
com a apresentação de apenas duas bandas.
2011
A verba foi repassada à administração regional da cidade, então
chefiada por Carlos Augusto Barros. Ele era amigo pessoal e foi indicado
ao cargo pelo distrital. Tão logo foi instaurado o inquérito, os
investigadores apontaram que parte dos recursos teria sido desviada para
beneficiar aliados do parlamentar. Em julho de 2011, a Polícia Civil
deflagrou a Operação Bragi II. O desfecho do inquérito foi o
indiciamento de Raad e mais 36 pessoas por delitos como desrespeito à
Lei de Licitações, peculato (crime cometido por servidor público) e
lavagem de dinheiro.
2012
O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também
investigou a denúncia contra o deputado. Em novembro de 2012, foi
deflagrada a Operação Mangona (nome que faz alusão a uma espécie de
tubarão). Nessa fase, a Justiça autorizou a quebra de sigilos fiscal,
bancário e telefônico dos envolvidos.
A Procuradoria-Geral de Justiça do DF também denunciou Raad e outras
nove pessoas pelos mesmos crimes do indiciamento policial. Por ter foro
privilegiado, o distrital terá o caso analisado pelo Conselho Especial
do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT). A relatora do
processo, a desembargadora Sandra de Santis, ainda não se posicionou
sobre o assunto.
Na esfera política, a Câmara Legislativa começou a analisar uma
representação pedindo a cassação de Raad, no fim do ano passado. Na
mesma época, o documento foi acatado pela Mesa Diretora.
2013
Em abril deste ano, a Corregedoria da Câmara Legislativa votou pela
abertura de procedimento por parte da Comissão de Ética. O colegiado
aprovou o relatório do corregedor, deputado Patrício (PT), em maio, e
Joe Valle (PSB) foi sorteado como relator. O parecer de Joe, em favor da
cassação do colega, passou ontem pelo Conselho de Ética.
Caso segue para a CCJ
A previsão inicial era que o relatório apenas fosse lido ontem e não
fosse votado pela Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. No entanto, o
relator, Joe Valle, disse que o assunto já vem provocando desgastes e
solicitou que tudo fosse resolvido. Agora, a análise está sob
responsabilidade da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Se
recebermos essa semana, na próxima terça, já vamos sortear o relator.
Não deve demorar. Não avaliamos o mérito. O que verificamos é se o
procedimento seguiu o regimento interno e os preceitos constitucionais”,
disse Chico Leite (PT), presidente da CCJ.
Ainda não há previsão de data para o caso de Raad Massouh ir a plenário
da Câmara. Se o documento passar pela CCJ, a Mesa Diretora decidirá
quando incluir o assunto na ordem do dia para votação. Para que o
distrital perca o mandato, são necessários os votos favoráveis de pelo
menos 13 deputados. Raad já garantiu ao Correio que, caso a análise de
sua situação chegasse à instância legislativa final, não entrará com
pedido judicial para que o voto fosse secreto.
O Legislativo local é o único do Brasil a adotar o modelo de voto
aberto. Ainda assim, dos dois casos de deputados cassados no DF até
hoje, a ex-distrital Eurides Brito conseguiu na Justiça que a votação,
ocorrida em junho de 2010, fosse fechada. Ela era acusada de integrar um
suposto esquema de pagamento de mesada a parlamentares pelo governo em
troca de apoio político na Casa. Antes disso, o primeiro caso de
cassação envolveu Carlos Xavier, em agosto de 2004. Ele foi acusado de
ordenar o assassinato de um adolescente supostamente identificado como
amante de sua ex-esposa. A votação, na época, era secreta. (AM).
Fonte: Correio Braziliense - Por Almiro Marcos
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