O
lobista João Augusto Henriques denuncia cobrança de propina para fechar
contratos e diz que dinheiro foi para deputados – e até para a campanha
presidencial
João
Augusto estava em silêncio. Permanecia inclinado à frente, apoiava-se
na mesa com os antebraços. Batia, sem parar, a colherzinha de café na
borda do pires – e mantinha o olhar fixo no interlocutor. Parecia alheio
à balbúrdia das outras mesas no Café Severino, nos fundos da Livraria
Argumento do Leblon, no Rio de Janeiro, naquela noite de sexta-feira,
dia 2 de agosto. A xícara dele já estava vazia. O segundo copo de água
mineral, também. João Augusto falava havia pouco mais de uma hora. Até
então, pouco dissera de relevante sobre o assunto que o obrigara a estar
ali: as denúncias de corrupção contra diretores ligados ao PMDB, dentro
da Petrobras. Diante dos documentos e das informações obtidos por ÉPOCA
sobre sua participação no esquema, João Augusto respondia evasivamente.
Por alguma razão incerta, algo mudara nos últimos minutos. O semblante
contraído sumira. Esperei que o silêncio dele terminasse.
– O que você quer saber?, disse ele.
– Sobre os negócios, respondi.
Foi então que João Augusto Rezende Henriques disse, sem abaixar a voz
ou olhar para os lados: “Do que eu ganhasse (no contratos intermediados
com a Petrobras), eu tinha de dar para o partido (PMDB). Era o
combinado, um percentual que depende do negócio”. A colherzinha não
tilintava mais.
Iniciava-se, ali, um desabafo motivado pelas denúncias que ÉPOCA
investigava havia cerca de um mês. O caso envolvia a Petrobras – maior
empresa do país, 25ª do mundo, com faturamento anual de R$ 281 bilhões.
Começara com apenas uma pista: um contrato assinado em 2009, em Buenos
Aires, entre o advogado e ex-deputado Sérgio Tourinho e o argentino
Jorge Rottemberg. No documento, previa-se que Tourinho receberia US$ 10
milhões de uma empresa no Uruguai, um conhecido paraíso fiscal, caso a
Petrobras vendesse a refinaria de San Lorenzo, avaliada em US$ 110
milhões, ao empresário Cristóbal Lopez, conhecido como czar do jogo na
Argentina e amigo da presidente Cristina Kirchner. À primeira vista, o
contrato não fazia sentido. Por que um lobista de Buenos Aires se
comprometeria a pagar US$ 10 milhões a um advogado brasileiro, de
Brasília, caso esse advogado, sem experiência na área de energia,
conseguisse fechar a venda de uma refinaria da Petrobras na Argentina?
ÉPOCA foi buscar a resposta em entrevistas com partícipes do negócio,
parlamentares e funcionários ligados ao PMDB. O advogado Tourinho era
sócio dos lobistas do PMDB, que trabalhavam em parceria com Jorge
Zelada, diretor internacional da Petrobras desde 2008 e, segundo João
Augusto, apadrinhado do PMDB. A operação San Lorenzo, diz ele, não era
um caso isolado. Era mais um dos muitos negócios fechados pelos
operadores do PMDB na área internacional da Petrobras. De acordo com
João Augusto, todos os contratos na área internacional da Petrobras
tinham de passar por ele, João Augusto, que cobrava um pedágio dos
empresários interessados. De acordo com ele, de 60% a 70% do dinheiro
arrecadado dos empresários era repassado ao PMDB, sobretudo à bancada
mineira do partido na Câmara, principal responsável pela indicação de
Zelada à Petrobras. De acordo com João Augusto, o dinheiro servia para
pagar campanhas ou para encher os bolsos dos deputados. O restante, diz
ele, era repartido entre ele próprio e seus operadores na Petrobras – os
responsáveis pelo encaminhamento dos contratos.
Segundo João Augusto e outros quatro lobistas do PMDB, o dinheiro era
distribuído a muita gente em Brasília. A maior parte seguia para os dez
deputados do partido em Minas, entre eles o atual ministro da
Agricultura, Antonio Andrade, e o presidente da Comissão de Finanças da
Câmara, João Magalhães. O dinheiro, de acordo com João Augusto, não
ficava apenas com essa turma. Segundo o relato dele e dos outros
lobistas, o secretário das Finanças do PT, João Vaccari, recebeu o
equivalente a US$ 8 milhões durante a campanha presidencial de Dilma
Rousseff em 2010. João Augusto diz que organizou, com Vaccari, o repasse
para a campanha de Dilma. O dinheiro, segundo ele, foi pago pela
Odebrecht, em razão de um contrato bilionário fechado na área
internacional da Petrobras, que dependia de aprovação do então
presidente da estatal, José Sergio Gabrielli, do PT. À Justiça
Eleitoral, a campanha de Dilma declarou ter recebido R$ 2,4 milhões da
Odebrecht. O coordenador financeiro da campanha de Dilma Rousseff, José
de Filippi Júnior, afirma que não conhece João Augusto. “Posso garantir
que ele não participou da arrecadação de recursos para a campanha da
presidenta Dilma Rousseff, que toda arrecadação foi feita por meio de
Transferência Eletrônica Bancária, e que as contas da campanha da
presidenta foram aprovadas pelo Tribunal Superior Eleitoral”, diz.
As denúncias de João Augusto são contestadas pelos acusados. Vaccari
diz que não era responsável pela tesouraria da campanha de Dilma. Afirma
ainda que “todas as doações ao PT são feitas dentro do que determina a
legislação em vigor e de uma política de transparência do PT”. Gabrielli
diz, por meio de nota, não ter conversado sobre o contrato da Odebrecht
com Vaccari. Zelada afirma desconhecer a atuação de João Augusto na
intermediação de contratos na Petrobras e nega ter sido indicado pelo
PMDB. A Petrobras informou em nota que não comentaria o assunto. Apesar
de todas as contestações, a reportagem de ÉPOCA confirmou, por meio de
entrevistas em três cidades, vários pontos do depoimento de João
Augusto. Investigações oficiais ainda são necessárias para apurar todas
as suas denúncias.
Fonte: ÉPOCA.com - Por Diego Escosteguy, com Flávia Tavares, Marcelo Rocha, Murilo Ramos e Landro Loyola
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