Lula da Silva e Dilma Rousseff: o
ex-presidente populista, que não respeita as instituições, e a
presidente institucional. A mulher pode ter um lugar mais positivo na
história do Brasil do que o operário-general autoritário? Se Lula
continuar maltratando |
Usando o deputado federal Odair Cunha, o petista-chefe Lula da Silva
transformou a CPI do Cachoeira numa operação-vingança. Deu tudo errado. O
PT teve de usar o PMDB e o PR para brecá-la. O ex-presidente corre o
risco de Dilma Rousseff ter um lugar maior na história
Lula da Silva e Dilma Rousseff: o ex-presidente populista, que não
respeita as instituições, e a presidente institucional. A mulher pode
ter um lugar mais positivo na história do Brasil do que o
operário-general autoritário? Se Lula continuar maltratando.
Costuma-se dizer que a petista Dilma Rousseff é uma presidente
institucional, isto é, que joga pelas regras legais, sem pretender
alterá-las para aumentar o poder pessoal ou garantir a permanência no
poder por mais tempo de um grupo político. Em tudo diferente do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que prefere jogar pelas regras
tradicionais, optando pelo toma-lá-dá-cá e pela ação bruta. Com apoio de
jornalistas e intelectuais da esquerda comunista pós-1964, Lula está
construindo um movimento que, no momento, dirige o PT — o Lulopetismo —
e, ao submeter a maioria dos petistas, banca seus próprios candidatos a
cargos eletivos, como a presidente Dilma Rousseff, em 2010, e o prefeito
eleito de São Paulo, Fernando Haddad, em 2012. Com José Dirceu
“arquivado” pela história e prestes a ser preso por decisão da Justiça, o
PT é cada vez mais “de” Lula. Se o Lulopetismo se concentrasse apenas
em subjugar o PT e seus integrantes — muitos parecem não entender o que
está ocorrendo —, não haveria do que reclamar. Entretanto, há indícios
de que Lula, por meio de seu movimento, quer submeter a Imprensa, o
Judiciário e o Legislativo, enfim, as sociedades política e civil.
Portanto, o Lulopetismo escapa às movimentação da democracia.
Como se sabe, na democracia, o titular de cargos como presidente,
governador e prefeito não pode usá-los para fins pessoais ou colocá-los a
serviço de objetivos privados ou partidários. Um petista pode chefiar o
governo, mas o Estado não pode ser petista ou lulopetista. O Estado é
público, dos cidadãos. Os petistas reclamam que, com Dilma Rousseff, o
Estado está se tornando menos petista e que, com Lula, o Estado era mais
petista ou lulopetista. Isto prova o acerto de Dilma Rousseff, que
comporta-se como presidente do Brasil — dos brasileiros —, não,
obviamente, dos petistas. Por isso a chamamos de uma “presidente
institucional”. Ela certamente não aprecia a comparação, mesmo porque é
mais desenvolvimentista do que a monetarista alemã, mas podemos
chamá-la, na falta de comparação mais adequada, de Angela Merkel dos
trópicos.
Lula é um grande político, mas, ao intervir no presente, parece não
perceber qual será seu lugar na história — e nisto é muito diferente do
presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, este, tão institucional
quanto Dilma. Lula, primeiro indivíduo de origem operária a se tornar
presidente, é um ícone internacional — uma referência da estirpe de
Pelé. Seu governo foi positivo para o país, pois, além de manter a
estabilidade da economia (mostrou responsabilidade), investiu na ideia
de que é possível constituir um país socialmente mais justo. Parece
pouco, mas não é. A inclusão de mais pessoas ao mercado e o acesso
robustecido aos direitos básicos — alimentação, saúde e educação — são
acertos do PT no governo. Isto não deve ser visto tão-somente como
assistencialismo e, apesar do uso político clientelista, o interesse do
petismo pelos deserdados é mesmo genuíno. Há uma história de seriedade
idealista entre os petistas no campo social.
No entanto, embora tenha sido um presidente qualitativo, Lula não
aceita críticas e, por isso, está sempre no ataque, que, no fundo, é uma
atitude defensiva. No lugar de se apresentar como um “avanço”, o
petista se apresenta como “ruptura” — o que, embora queira, não é.
Grandes rupturas não podem mais ser feitas — exceto no campo tecnológico
—, pois as sociedades aprenderam, a duras penas, que, embora falem em
revoluções que prometem o paraíso, costumam ser um retrocesso histórico,
marcado por ampla violência, como são os casos do stalinismo na União
Soviética, o nazismo na Alemanha e o maoísmo na China (matou mais gente
do que a Segunda Guerra Mundial). O petismo no poder, simbolizado por
Lula, é, insistamos, uma evolução positiva de uma corrente
socialdemocrata que inclui, além do PT, o PSDB de Fernando Henrique
Cardoso. PT e PSDB são diferentes em filigranas, mas não no essencial. A
sucessão do PSDB pelo PT significa, então, uma continuidade, não uma
ruptura. O que se pode sugerir é que a socialdemocracia petista
“radicaliza”, por assim dizer, um pouco mais o social. Para desespero
dos socialistas ortodoxos, como o notável sociólogo socialista e
ex-petista Francisco Oliveira, os petistas radicalizaram outra tese
socialdemocrata, e não unicamente tucana: o incentivo maciço, com
recursos públicos, às grandes empresas locais. Por que isto ocorre?
Porque, ao contrário dos socialistas e dos comunistas, que são
internacionalistas, os socialdemocratas, como os petistas e os tucanos,
são mais nacionalistas. Por que o PSDB tem dificuldade de arrancar o PT
do poder? Porque, sobretudo, sua proposta de governo não difere, em
larga medida, da do PT.
Habilmente, o PT nunca fez um movimento para usar o Estado para
destruir o PSDB, a oposição consentida (espécie de MDB dos tempos
democráticos), mas o fez para destruir um adversário figadal de seus
projetos e ações, o partido Democrata. As estruturas públicas foram
utilizadas, com extrema felicidade, para destruir alguns políticos
democratas. Os demais partidos, fisiológicos ou ideológicos, foram
incorporados, como rêmoras, ao séquito do tubarão petista. O Lulopetismo
teme o socialista Eduardo Campos, governador de Pernambuco? Teme, mas
não muito. Mas este é outro assunto.
O estadista não “elege” inimigos a destruir — a democracia de fato não
coaduna com linguagem bélica —, e sim adversários a derrotar
eleitoralmente. Dilma Rousseff parece entender isto à perfeição — daí
sua convivência respeitosa com o ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso, até hoje o principal ideólogo do PSDB (o que prova a
inapetência do partido às ideias). Lula, pelo contrário, é belicista e
quer destruir seus adversários que, sugere, são verdadeiros inimigos.
Depois de destroçar o DEM de José Roberto Arruda e Demóstenes Torres,
arrancados à força do mercado político, Lula decidiu-se por outra
operação-vingança, como se fosse Lampião redivivo. Com uma “cajadada”
só, o ex-presidente pretendia atingir dois “coelhos”. Para tentar
“esconder” o julgamento do mensalão, para suavizar o debate público nos
jornais e revistas, o petista-chefe, o Perón operário — a Evita, sabe-se
agora, era Rosemary Noronha —, criou a CPMI do Cachoeira, pressionando
sistematicamente deputados do próprio PT, que, experientes no Congresso
Nacional, sabiam que seria um tiro no pé. Os parlamentares costumam
dizer: “Sabe-se como se começa uma CPI, mas não se sabe como termina”.
Lula decidiu correr o risco. Para que a imprensa não desconfiasse da
“jogada”, produziu-se a ideia de que havia um negócio entre o
contraventor Carlos Cachoeira — que mantinha laços com alguns petistas, o
que não se quis divulgar a fundo — e o governador de Goiás, o tucano
Marconi Perillo. Era a outra ponta da operação-vingança. No primeiro
governo de Lula, quando foi divulgada a história do mensalão, o
governador goiano apresentou-se à imprensa e revelou que, assim como
Roberto Jefferson, havia alertado o presidente, num encontro em Rio
Verde, no Sudoeste de Goiás. A então deputada tucana Raquel Teixeira
havia sido abordada por um deputado da base de Lula com a proposta de
receber cerca de R$ 30 mil por mês e mais R$ 1 milhão de “luvas”. Lula
jurou “vingança eterna” e dizia a petistas e a peemedebistas que, um
dia, “pegaria” o tucano.
Mas a vida é imensamente contraditória. Ao tentar “pegar” Marconi,
indicando que mantinha ligação com Carlos Cachoeira, Lula não percebeu a
outra volta do parafuso, como diria o escritor Henry James. No meio do
caminho, havia uma “montanha” gigantesca, a Delta Construções, e muito
maior do que o “morrinho” Cachoeira. Enquanto Cachoeira e seus aliados
falavam no máximo em milhões, o dono da Delta, o latin lover Fernando
Cavendish, falava em cifras superiores — na casa dos bilhões.
Lula, o Lampião petista, não sabia, mas, seguindo a orientação do
consultor José Dirceu — sim, o mesmo do mensalão —, a Delta, do príncipe
“com sorte” Cavendish, havia se tornado uma empresa poderosa. De 130ª
empreiteira, a Delta, tendo faturado mais de 4 bilhões nos governos
petistas — e, apesar da CPI, continua recebendo milhões todos os meses,
como se nada tivesse acontecido — e mais de R$ 1,5 bilhão do governo do
peemedebista Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, se tornou a sétima maior
do país. Um portento. Evidentemente, a empresa recebeu proteção
terrestre, nada divina. Descobriu-se que a Delta deveria ser chamada de
Petrobrás das empreiteiras — quase uma Deltabrás —, tal o volume de
dinheiro envolvido nas suas transações com os governos do PT e do PMDB
em vários Estados brasileiros. O tiro de Lula, que havia sido dado em
Cachoeira e Marconi, acabou, ao ser desviado, atingindo a Delta,
Cavendish e os quase-blindados Sérgio Cabral (o peemedebista é íntimo de
Cavendish) e Agnelo Queiroz (PT), este, governador do Distrito Federal.
Em oito meses, enquanto investigava Cachoeira e Marconi, a CPMI acabou
por descortinar a situação da Delta — a empreiteira protegida e cevada
pelo PT, pelo PMDB e pelo PR. Mas, claro, o alvo não era a Delta.
Portanto, ao contrário do que disse o lulopetista da CPMI, Odair Cunha,
seu relatório não caiu porque os tucanos decidiram proteger o governador
Marconi Perillo e o jornalista Policarpo Júnior, redator-chefe da
revista “Veja”. Marconi e Policarpo são gotas d’água no oceano Pacífico
das confusões políticas, jornalísticas e financeiras nacionais. Na
verdade, como ficou demonstrado claramente, PMDB e PR, com certa
anuência petista, derrubaram o relatório de Odair Cunha — o próprio
petista, apesar de falar em “pizza”, não tinha mais interesse em
aprová-lo — com o objetivo de defender e preservar seus políticos e,
também, a Delta. A bancada do Cavendish funcionou como um relógio suíço.
Se a CPMI fosse séria, se tivesse feito uma investigação rigorosa,
mostrando o esquema da Delta no interior dos governos petistas,
peemedebistas e tucanos, além de outros grupos menores, o mensalão —
apesar do golpismo político manietar a instituição Legislativo —, do
ponto de vista financeiro, seria considerado como uma ação de
trombadinhas. O PT, com rara habilidade, usou o PMDB e o PR para
“arquivar” o relatório que não mais lhe interessava. Só que,
evidentemente, o PT não poderia aparecer como um dos arquivadores do
próprio relatório — para não se queimar. Por isso, habilmente,
transferiu para os aliados, PMDB e PR, a tarefa de matar pela raiz a
investigação. O PT, de Lula a Odair Cunha, passando pela presidente
Dilma Rousseff — que nunca se interessou pela “investigação” politizada
—, optou por manter os negócios da Delta na sombra.
O relatório alternativo, apresentado pelo deputado federal Luiz Pitiman
(PMDB/DF), foi aprovado por 21 a 7 votos. Este relatório, com duas
páginas, será repassado para o Ministério Público Federal e para a
Polícia Federal. Nada contém de substantivo, mas, pelo menos, não é tão
desonesto e vingativo quanto o elaborado pela equipe do ex-presidente
Lula e repassado para Odair Cunha assinar como relator.
Postas as questões, é o momento adequado de voltar ao início deste
Editorial. Como se disse acima, Lula não percebe que tem um bom lugar
garantido na história do país mas, ao não se comportar
institucionalmente, avançando sobre os setores que contribuem para
garantir a democracia — como a Imprensa, o Judiciário e o Legislativo,
além de, quando no poder, usar a máquina pública para fins partidários e
pessoais (daí a primeira-amiga Rosemary Noronha) —, tende a ficar
cristalizado como um político populista e de matiz autoritário.
Infelizmente, não almeja um lugar parecido com o do presidente Juscelino
Kubitschek — um democrata sem adjetivos. O papel que Lula está
reservando para si é injusto e prova que os intelectuais que o cercam
não fazem sua cabeça e nem mesmo conseguem orientá-lo. Fica-se com a
impressão de que o ex-presidente se considera eterno e que não tem noção
alguma que o futuro tem tanta importância quanto o presente. A
posteridade julga duramente e com independência. Se ficar com a imagem
de que desrespeitava o Legislativo, o Judiciário e a Imprensa, como se
fosse um general sem farda ou Getúlio Vargas sem noção de estadismo,
Lula vai, ao desaparecer do mercado político, apequenar-se. Uma pena,
porque Lula é — se mudar, continuará sendo — importante para o país,
pois é um valor referencial. Fernando Henrique Cardoso, apesar de ter
garantido a estabilidade do país e ter desmontado, parcialmente, o
Estado corporativo-varguista, não ficará na história com um papel tão
destacado quanto o de Lula. Mas, se depender do próprio Lula, se os luas
vermelhas não conseguirem orientá-lo — se continuarem aplaudindo o
“grande homem” por qualquer pilhéria que diz, sobretudo quando ataca
instituições e valores democráticos —, seu papel na história vai ficar
cada vez menor. Recente pesquisa do instituto Datafolha mostra dois
dados curiosos — quase nada discutidos pela Imprensa e pelos políticos.
Primeiro, a sensação de que há corrupção no governo da presidente Dilma
Rousseff aumentou substancialmente. É a população que está dizendo isto —
não é a oposição. No entanto, a popularidade de Dilma Rousseff continua
alta, aproximando-se dos 80% — o que apenas comprova a realidade: a
petista não é corrupta, ainda que esteja punindo a corrupção “apenas”
(na verdade, é um avanço) com a demissão dos políticos e gestores
venais. Segundo, os índices de Dilma Rousseff, para uma provável disputa
eleitoral em 2014, são praticamente os mesmos de Lula. Noutras
palavras, o caráter institucional da presidente foi e está assimilado
pela população brasileira. Não importa que seja sisuda e pouco dada a
piadas — “alemã demais”, como dizem auxiliares —, e sim que seja séria, o
que ela é. Se Lula brincar, se não rever seus conceitos — no fundo, é
maior do que percebe (é pueril a insistência em dizer que fez “tudo”) —,
Dilma Rousseff ficará “maior” na história, e não apenas por ter sido a
primeira mulher a governar o Brasil. O adversário de Lula, em termos
históricos, pode não ser Fernando Henrique Cardoso — e sim a seriíssima
Dilma Rousseff.
Fonte: Jornal Opção
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