“O presidente Lula se sentiu esfaqueado pelas costas”, repetiu nesta
quinta-feira Paulo Okamoto, tesoureiro particular e amigo íntimo do
palanque ambulante que desligou o serviço de som desde a aparição de
Rosemary Noronha no noticiário político-policial. Se fosse uma facada de
verdade, o ataque teria interrompido rudemente o sono sem culpas que só
é permitido aos bebês de colo, coisa que Lula deixou de ser há mais de
60 anos, aos homens justos, estirpe a que jamais pertenceu, ou a
pecadores desprovidos do sentimento da vergonha. Mas foi uma facada
retórica: Okamoto está querendo dizer que, como sempre, o velho amigo
não sabia de nada.
Se não necessita de cuidados médicos, Lula precisa encontrar com
urgência explicações que não há ─ o que torna o caso mais aflitivo,
talvez até mais perigoso do que o escândalo do mensalão. “Quando não se
sabe o que fazer, melhor não fazer nada”, ensinou dom João VI. Quando
não sabe o que dizer, o animador de comício mais falante do Brasil
encomenda um surto de mudez malandra e sai de cena. Atropelado em 23 de
novembro pelas descobertas da Operação Porto Seguro, ordenou a Okamoto
que espalhasse a fantasia da faca e caiu fora do palco. Passados 15
dias, ainda não deu um pio sobre a enrascada em que se meteu ao lado de
Rose.
Em duas semanas, recuperou a voz duas vezes, mas para falar de coisas
sem parentesco com a fábrica de espantos que instalou no escritório
paulista da Presidência da República. Em 27 de novembro, apareceu no Rio
para uma festa da Pirelli. Depois de receber um prêmio entregue pela
atriz Sophia Loren, cumprimentou-se por ter promovido a pobres 28
milhões de miseráveis e avisou que “o Brasil não vai desperdiçar o
século XXI como fez com o século XX”. Sobre Rose, nem uma vírgula.
No dia 29, ressurgiu em São Paulo num encontro de catadores de lixo e
enfeitou a conversa fiada com cifras ainda mais hiperbólicas. “Muita
gente não quer entender por que se levou 40 milhões de pessoas para a
classe média, por que se gerou quase 20 milhões de empregos”,
queixou-se. “Neste país, as notícias ruins são manchetes, as notícias
boas saem pequenininhas”. Sobre os quadrilheiros que nomeou a pedido de
Rose, nem um suspiro.
Sumido há sete dias, vai passar os próximos 15 longe do cenário dos
crimes. Embarcará hoje rumo ao Qatar e promete voltar ao Brasil perto do
Natal, depois de escalas na França, na Alemanha e na Espanha. Não
precisou esconder-se tão longe no inverno de 2005, quando descobriu que o
slêncio e o sumiço poderiam livrá-lo do afogamento no pântano do
mensalão. Nesta primavera, a reprise da mágica de picadeiro só serviu
para confirmar que é bem menos penoso suportar tempestades
entrincheirado no gabinete presidencial.
Um ex-presidente não circula por ruas interditadas aos brasileiros
comuns, precedido por batedores e escoltado pela multidão de agentes de
segurança. Não voa no Airbus que se chamava AeroLula nem dispõe de uma
frota de helicópteros. Não emudece impunemente quando lhe dá na telha.
Um ex-presidente não se refugia em palácios e escala algum ministro para
lembrar aos jornalistas que o Primeiro Servidor da Pátria tem coisas
mais importantes a fazer. Não adia a hora da verdade com a inauguração
de quadras prontas, creches inacabadas ou pedras fundamentais.
Pela primeira vez, Lula viu-se em apuros fora do poder. Pela primeira
vez, viu-se acossado por acusações e suspeitas amparadas em fatos e
documentos. Foi ele quem promoveu Rosemary Noronha a autoridade da
República, foi ele quem exigiu que Dilma mantivesse no cargo a vigarista
de estimação, foi ele quem presenteou a companheira com 23 passeios
internacionais, foi ele quem transformou delinquentes amigos da amiga em
diretores de agências reguladoras, foi ele quem confundiu interesses
públicos com prazeres privados. Cedo ou tarde, e em direito a ditar as
regras da entrevista, terá de tentar provar que não tem culpa no
cartório.
Não será fácil, advertem numerosos e-mails enviados por Rosemary
Noronha aos parceiros de quadrilha. Num recado sem data a Rubens Vieira,
por exemplo, a mulher que se apresentava com “namorada do Lula” orienta
o comparsa em campanha por uma diretoria da Agência Nacional de Aviação
Civil. “Vou tentar falar com o PR na próxima 3a.feira na sua vinda a
São Paulo. Se vc estiver aqui em São Paulo, posso te colocar no Evento
de 3a.feira a tarde pelo menos vc cumprimenta só para ele lembrar de vc,
aí eu ataco! Bjokas”.
Às 13 horas de 17 de março de 2009, Rubens ficou sabendo que as coisas andavam muito bem:
“O PR falou comigo hoje e disse que na terça-feira, quando voltar dos
USA, resolve tudo do seu caso e disse que a Mirelle precisa começar a
trabalhar logo. Fiquei Feliz!” Filha de Rose, Mirelle não demorou a
ganhar um empregão na Anac. Nunca começou a trabalhar. São apenas duas
amostras. Há mais, muito mais.
Nos próximos 15 dias, a viagem poupará o ex-presidente de cobranças
constrangedoras. Mas escândalos não viajam, nem ficam menores se os
protagonistas fingem que não o enxergam. Quando voltar ao Brasil, Lula
encontrará à sua espera o caso Rose. A assombração estará do mesmo
tamanho. Ou maior.
Fonte: Coluna do Augusto Nunes - VEJA
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