Nos anos 80, a capa dos sonhos de todo os diretores e editores de VEJA seria magnificamente singela. Para o resumo da ópera, bastaria uma pilha de cédulas verdes com o rosto de Benjamin Franklin sublinhando a chamada formada por cinco palavras e um algarismo:
COMO GANHAR 1 MILHÃO DE DÓLARES
Valorizada por acrobacias gráficas ou manuscrita por Lula com uma Bic, a chamada para a reportagem de capa pareceria igualmente irresistível até aos olhos dos bebês de colo e dos napoleões-de-hospício. Nas bancas ou nas portas dos assinantes, cada exemplar seria disputado a socos e pontapés por gente disposta a tudo para conhecer a fórmula que ensinava a ficar milionário ─ em moeda americana ─ sem dar o golpe do baú, dar um golpe na praça ou ganhar na loteria.
Passados menos de 30 anos, essa capa talvez fizesse menos estardalhaço que um comício do PCdoB. No Brasil deste começo de século, conseguir 1 milhão de dólares parece menos complicado que subir o Corcovado de trenzinho. Nada a ver com a crise econômica dos Estados Unidos, nem com o risco de calote, muito menos com a enganosa musculatura do real. O que transformou essa quantia em dinheiro de troco foi o tsunami de bandalheiras que devasta o Brasil.
As cifras astronômicas movimentadas pelas quadrilhas especializadas no assalto aos cofres públicos informam que juntar 1 milhão de dólares é coisa de gatuno aprendiz. Ladrão federal que se preza fatura mais que isso com qualquer negociata de baixo calibre. As organizações criminosas da classe executiva não se contentam com pouco. Cresceram em tamanho, sofisticação, safadeza e atrevimento. As contas agora são feitas em bilhões.
Os bandos envolvidos na roubalheira incomparável agrupam ministros de Estado e funcionários do segundo escalão, figurões de estatais e “laranjas” obscuros, jornalistas iniciantes ou em fim de carreira, donos de partidos, senadores e prefeitos, deputados e vereadores, empresas portentosas e consultorias de fachada. Mobilizam, além dos chefes, as mulheres, os filhos, parentes próximos ou distantes, amigos ou agregados. Há centenas, milhares de larápios em ação. Há bilhões de sobra à espera dos delinquentes.
Na edição da semana passada, VEJA divulgou os espantosos resultados da maior auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União no sistema de compras do governo federal. Depois de esquadrinhar 142.000 contratos celebrados na Era Lula, envolvendo gastos superiores a R$ 100 bilhões, o TCU encontrou mais de 80 mil irregularidades. As somas surrupiadas ultrapassam R$ 10 bilhões. Tudo é superlativo no Brasil Maravilha registrado no cartório. Sobretudo a ladroagem institucionalizada, adverte o conjunto de informações perturbadoras divulgadas neste fim de semana.
As obras em andamento sob a supervisão do Dnit, segundo o Estadão, sofreram acréscimos de preços que chegam a R$ 2,2 bilhões. Demitido pelas patifarias que andou cometendo no Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Oscar Jucá, irmão do líder do governo no Senado, garantiu a VEJA que os casos de corrupção na sigla envolvem o ministro da Agricultura, Wagner Rossi. A revista IstoÉ revelou que em 2010, em troca de doações ao PP, três grandes empreiteiras embolsaram R$ 2,7 bilhões liberados ilegalmente pelo Ministério das Cidades.
A Folha conferiu tonalidades ainda mais escuras ao aluvião de más notícias com a descoberta de que a Procuradoria-Geral da Justiça Militar investiga a participação de generais do Exército em convênios fraudulentos celebrados com o Departamento de Infraestrutura de Transportes. O Dnit, de novo, agora ameaçando arrastar para o pântano oficiais de alta patente. Decididamente, as coisas foram longe demais.
Cadê a indignação dos brasileiros que pagam todas as contas e bancam todos os prejuízos?, perguntou na semana passada a Carta ao Leitor. “Só a mobilização forte e permanente da sociedade”, alertou o editorial de VEJA, “obrigará a Justiça e os políticos a tomar medidas sumárias para limpar a administração pública dos ladrões, colocá-los na cadeia ─ sim, na cadeia ─ e fazê-los devolver as quantias roubadas ao Erário”. A entrada do Exército no noticiário político-policial era o sinal vermelho que faltava. Ou o Brasil reencontra a capacidade de indignar-se ─ e reage imediatamente ─ ou nunca passará de um arremedo de nação.
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