Com segurança reforçada, Yoani Sánchez celebra a liberdade de expressão e faz pouco caso das ameaças de espionagem
Desembarque conturbado. Yoani é recebida com protesto por simpatizantes do regime castrista, ligados ao movimento estudantil, em Recife: blogueira aplaudiu o ato democrático |
O iPhone da blogueira e escritora cubana Yoani Sánchez, de 37 anos, tem
telas lotadas de aplicativos, todos baixados por meio de um mercado
negro que funciona em Havana. Ao chegar ao Brasil, depois de um dia
inteiro de viagem, ela respondia atentamente às perguntas de jornalistas
que a acompanharam até Feira de Santana, onde cumprirá extensa agenda
de debates. Mas não tirava os olhos do telefone, dado de presente pela
irmã que vive nos Estados Unidos. Em Cuba, não podia acessar a internet
pelo aparelho. Agora, quer navegar livremente e experimentar, nove anos
depois de ter saído de Cuba pela última vez, os sabores de uma internet
aberta de um país democrático.
Outros ecos desse regime político, estranho à Cuba, surgiram logo nos
aeroportos brasileiros. Primeiro em Recife, onde fez escala e foi
recebida por um barulhento grupo de 30 manifestantes, do Fórum de
Entidades de Solidariedade com Cuba - ligado ao movimento estudantil e
ao PCdoB, com o apoio de representantes do MST e de sindicalistas - que
berravam no saguão do Aeroporto dos Guararapes: "Yoani, eu já sabia,
quem lhe banca é a Cia". A ativista não só manteve a tranquilidade como
decidiu apoiar o que os cubanos desconhecem: a liberdade de expressão.
- Essa é uma expressão da democracia, que espero ver em Cuba. É um
banho de democracia, um retrato da pluralidade. Não me surpreenderam,
nem os insultos, nem a difamação. Lamentavelmente, em Cuba é penalizado
quem pensa diferente. Opinar contra esse governo traz consequências
nefastas, detenções arbitrarias, vigilância, repressão, prisão - disse
Yoani, logo após passar por uma chuva de papel simbolizando notas de
dólar e enfrentar manifestantes que até mesmo puxaram seu cabelo.
Em meio ao protesto, Yoani recebeu abraços dos amigos brasileiros que
financiaram sua viagem. Um deles, o profissional liberal Rafael Velne,
29, viajou a Cuba para dar a passagem pessoalmente à autora do blog
Generación Y.
- Acompanho o que ela escreve desde 2008 e tive o prazer de entregar
diretamente a ela o convite e as passagens para viajar até Feira de
Santana - disse ele.
Já o fotógrafo Arlen Tavares, 40, viajou de João Pessoa até o Recife
para ver a blogueira. Arlen ajudou a divulgar o blog da cubana no
exterior.
- Luto pela vinda dela há muito tempo ao Brasil. Hoje estou aqui para ver a realização de um sonho - disse.
Sem medo de espionagem cubana
Já em Salvador, a recepção foi menos tumultuada. E, em momento algum,
Yoani se mostrou preocupada. Nem mesmo com um carro desconhecido que a
acompanhou desde a saída da capital. Supostos planos do governo cubano,
via embaixada no Brasil, de espioná-la ou publicar dossiês contra sua
história são, segundo ela, velhas práticas do regime castrista.
Sorte. Cineasta Dado Galvão amarra em Yoani uma fita do Nosso Senhor do Bonfim |
- No meu país me localizam pelo celular e vigiam minha casa. Aprendi a
viver assim. Não me espanta nem me paralisa. Eles continuam usando os
mesmos métodos. Insultos não são nada. A estratégia do governo cubano
nunca é dialogar, e sim destruir a imagem da pessoa. Matar não
fisicamente, mas socialmente - diz Yoani.
Depois da divulgação pela revista "Veja" do suposto plano do governo
cubano para seguir Yoani no Brasil, os organizadores da visita a Feira
de Santana tomaram providências. O quarto do hotel onde ela foi
hospedada sofreu varreduras e a administração está avisada para redobrar
a atenção. Seguranças foram chamados de última hora e estão prontos
para serem acionados caso algo anormal aconteça no itinerário pela Bahia
da viagem da cubana, que custou cerca de R$ 8,5 mil.
De toda forma, são preocupações que passaram, pelo menos aparentemente,
longe da cabeça de Yoani, vencedora de prêmios internacionais de
liberdade de imprensa. Sobre os brasileiros, disse que suas suspeitas se
confirmaram: são parecidos com os cubanos, à exceção do quesito
liberdade de expressão.
- Já me disseram que os brasileiros seriam como os cubanos, mas livres.
Estou encontrando semelhanças, mas também um contexto de diferença. Há
um marco de maior respeito, de mais liberdade, que não é total. O cubano
está com máscara, sempre o amigo está te ouvindo para delatar.
Confusão no 1º evento programado
Ao falar dos irmãos Castro, Yoani não vê saída democrática para o
regime que sobrevive com enormes dificuldades desde a queda da União
Soviética. A única forma de mudar a sociedade cubana, para ela, virá a
partir da inevitável "solução biológica".
- As nações não deviam depender da situação de um homem, se ele respira
ou não respira. Muitos cubanos estão esperando a solução biológica. Eu
não prefiro assim, acho melhor a pressão da cidadania para mudar o
sistema, mas assim será muito difícil. A solução biológica está se
perfilando como a mais possível.
No trajeto de uma hora e meia entre Salvador e Feira de Santana, Yoani
pediu água e falou com jornalistas. Também foi informada de que sua
conta no Twitter ganhou mais seguidores e que o presidente da Venezuela,
Hugo Chávez, havia retornado ao país depois de ter ficado internado em
Cuba. Sobrou tempo ainda para conversar, por telefone, com a família:
- (A viagem está) o que você pode imaginar, mas minha alma está bem.
Como está a criança? (o filho adolescente, Teo). Te quero muito, não
gaste mais dinheiro. Tchau - despediu-se do marido, também ativista,
Reinaldo Escobar.
Os protestos nos aeroportos de Recife e de Salvador eram o prenúncio do
que ocorreria mais tarde, no primeiro evento do programa da blogueira
em solo brasileiro. Ontem à noite, ela levou meia hora para ingressar no
Museu Parque do Saber, em Feira de Santana, onde participaria da
exibição de um documentário sobre a liberdade de expressão em Cuba e
Honduras, do cineasta Dado Galvão.
Manifestantes ligados à União da Juventude Socialista (UJS) e ao
Partido Comunista Revolucionário (PCR) cercaram a entrada e provocaram
tumulto. Já no museu, a visitante teve que ficar escondida em uma sala,
enquanto o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) gritava com os manifestantes e
berrava "mentira", a cada acusação feita pelo grupo, que só se acalmou
depois do convite para participar de um debate não programado.
O assédio deixava claro que a viagem de 80 dias pelo mundo carregará um
tom político, por mais que Yoani se diga "apolítica" e assegure ser
filha da pós-utopia, cética em relação a partidos.
No braço direito, ela trazia uma fitinha do Senhor do Bonfim. Como
manda a tradição, fez três desejos. Não deixou suas convicções de lado:
- Fiz dois pedidos pessoais e um, claro, nacional.
Fonte: O Globo - Por Flávio Tabak e Letícia Lins
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