A defesa feita pelo ministro do Supremo
Dias Toffoli – o valente deveria renunciar ao STF e se candidatar a uma
vaga na Câmara ou no Senado – de que criminosos do colarinho branco
paguem penas pecuniárias em vez de ir para a cadeia é de tal sorte
ridícula e discriminatória que deveria ser imediatamente mandada para a
lata do lixo em vez de criar falsas polêmicas nos jornais. ...
“Que é, Reinaldo? Então há certas ideias
que não devem nem ser debatidas?” Há, sim! As que violentam o
fundamento de uma República – na qual todos têm de ser iguais perante a
lei – e as que carregam um evidente traço de discriminação de classe ou
de origem deveriam ser imediatamente descartadas como expressão do
atraso. A polêmica, de resto, é falsa porque, que eu tenha visto,
ninguém comprou a tese esdrúxula daquele que foi rejeitado pelo
Judiciário quando lhe foi testado o mérito e admitido quando o demérito
passou a ser critério de inclusão.
O que quer Toffoli, agora que
companheiros seus de partido estão na reta da cadeia? Que só os crimes
de sangue conduzam ao xilindró? Se, havendo o risco da perda da
liberdade, o país já se confunde com a casa da mãe Joana, imaginem como
seria se os larápios soubessem que lhes bastaria pagar uma multa se
flagrados. Ainda que fosse possível confiscar todos os bens dos
condenados – não é! –, a resposta ainda seria insuficiente porque o
ladrão profissional não costuma manter propriedades em seu nome;
pulveriza-as em diversos laranjas. A polícia só consegue identificar uma
minoria.
Que a imprensa tente debater isso a
sério, eis um sintoma da decadência. Há coisas que merecem simplesmente
repúdio e pronto! Ora, bastaria, então, como quer o ministro Toffoli,
que o corrupto devolvesse o dinheiro aos cofres públicos para que
ficasse livre da cadeia? Um pilantra que tivesse lesado milhares ou,
indiretamente, milhões no mercado financeiro estaria a flanar por aí –
desde, claro, que arcasse com o custo?
Toffoli, este novo gênio do direito,
quer instituir no país o que gente poderia chamar de “liberdade
censitária”. Por que afirmo isso? Porque os crimes financeiros,
convenham, requerem certas condições sociais. Não costumam ser
praticados por pobres. Há mais: suponho que o não pagamento da pena
pecuniária implicaria, aí sim, a prisão do condenado, de sorte que temos
o corolário óbvio: para Dias Toffoli, a liberdade é coisa de quem pode
pagar por ela.
E o mais encantador é que ele fez tal
defesa aos brados, como se estivesse tendo uma grande e redentora ideia.
E ainda tentou arrastar outros em sua pantomima, evocando a experiência
do ministro Gilmar Mendes, que, quando presidente do STF e do Conselho
Nacional de Justiça, teve papel importante para equacionar a situação de
pelo menos 20 mil pessoas presas em situação irregular. O trabalho
meritório de Mendes nada teve a ver com o discurso estúpido de Toffoli.
Qual é o ponto?
Ninguém deve ser punido com a prisão APENAS para servir de exemplo, o que não quer dizer que a pena não deva ter também um caráter exemplar. O ideal é que ninguém cometa crimes porque tem interiorizadas regras de convivência que lhe digam que determinadas ações são inaceitáveis – mormente aquelas definidas em lei como crimes. Mas vivemos também no mundo real, e pouco nos importa, no fim das contas, se as pessoas fazem a coisa certa porque intimamente convencidas dos limites ou porque temem a força coercitiva do estado. O importante, no que diz respeito à sociedade, é o resultado.
Se a sociedade resolver enviar para a
cadeia apenas as pessoas que ponham em risco a segurança física de
terceiros, comecemos por soltar – e por não prender – os criminosos
passionais. Eliminados os objetos de sua fúria, não costumam mais
ameaçar ninguém. A maioria, inclusive, está sinceramente arrependida de
seu ato.
Que coisa, não? O Brasil mal começou a
mandar os ricos para a cadeia, e já surge um movimento para impedir que
cumpram pena em regime fechado. Que sejam esquerdistas a fazer essa
defesa, isso só nos diz até onde essa gente pode chegar para defender “o
chefe”.
Fonte: Reinaldo Azevedo / Veja
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