Dois escândalos atômicos correm em paralelo; de um lado, uma ala
nega o mensalão e vê na cachoeira goiana um manancial inesgotável de
podridão; de outro, aponta-se a cortina de fumaça dos mensaleiros; não
seria o caso de simplesmente acabar com a hipocrisia na mídia e na
política?
Leonardo Attuch _247 – Lá se vão 31 anos de que
o escritor peruano Mario Vargas Llosa publicou um clássico da
literatura latino-americana: “A Guerra do Fim do Mundo”, que mistura
personagens reais e fictícios da Guerra da Canudos, liderada no sertão
da Bahia por Antonio Conselheiro.
Vargas Llosa usou a imaginação para elaborar sua narrativa, mas, no
Brasil, a realidade sempre supera a ficção. Ninguém poderia prever que,
em 2012, dois escândalos atômicos correriam em paralelo: o do mensalão,
que está prestes a ser julgado, e o do esquema de Carlos Cachoeira, que
acaba de ser desbaratado pela Polícia Federal.
De cada lado, haverá uma torcida organizada, com políticos,
jornalistas e porta-vozes informais. Uma espécie de Gaviões da Fiel
contra Mancha Verde numa competição para apontar qual foi o maior
escândalo de corrupção de todos os tempos no Brasil.
Um lado sustenta que o mensalão nunca existiu, ou seja, que jamais
houve uma rotina de pagamentos mensais a parlamentares, em troca de
apoio político. De fato, nunca existiu.
Parlamentares não tinham
salarinho mensal, com descontos no dia 20 e no dia 5. Mas a tese de que o
mensalão foi apenas um megaesquema de caixa dois eleitoral não elimina
uma série de crimes. Quando um determinado grupo político se propõe a
pagar dívidas de campanha passadas e a organizar campanhas políticas
futuras de sua base aliada, o que se está fazendo é, sim, a compra de
apoio parlamentar.
Afinal, políticos visam o poder. O poder depende do
voto. E o voto depende de dinheiro, no sistema eleitoral brasileiro. Se a
palavra mensalão puder ser utilizada como sinônimo de esquema de
financiamento político, é algo que existe em todas as câmaras de
vereadores e assembleias legislativas do País.
O outro lado, por sua vez, irá apontar que, por trás da CPI do
Cachoeira, há o dedo de forças ocultas tentando criar uma cortina de
fumaça para evitar o julgamento do “maior escândalo de corrupção de
todos os tempos” – essa é tese da revista Veja, por exemplo. E seus
porta-vozes enxergarão em qualquer ato da CPI, como as possíveis
convocações do procurador Roberto Gurgel ou de jornalistas ligados a
Cachoeira, uma tentativa de melar o mensalão.
Cada um no seu quadrado
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, já diria o sábio
Vicente Matheus. Todos querem que o mensalão seja julgado – e o ideal é
que o seja de forma justa, sem pressões exercidas por fatores externos,
como a própria imprensa. E a sociedade brasileira também quer que a CPI
tenha liberdade plena para investigar todos os aspectos da quadrilha
liderada por Carlos Cachoeira. Uma quadrilha, diga-se de passagem, com
ramificações em governos estaduais, no Ministério Público, no
Judiciário, no PAC e, sim, na imprensa.
Por que será que, num país livre como o Brasil, deve haver temas
proibidos ou tabus? Se o procurador Roberto Gurgel vier a ser convocado,
porque, aparentemente, prevaricou, nenhuma instituição sairá abalada.
Se jornalistas vierem a ser chamados a explicar suas relações com
Carlinhos Cachoeira, o Brasil compreenderá melhor como funciona o jogo
de achaques e extorsões no submundo da política brasileira. E a
liberdade de imprensa sairá fortalecida.
Perde-perde?
Com o olhar arguto de jornalista acostumada a desvendar os meandros
do poder, a brilhante Tereza Cruvinel, que presidiu a Empresa Brasileira
de Comunicação e comandou a coluna política mais importante do jornal O
Globo, definiu a CPI do Cachoeira como um jogo de perde-perde.
Os dois lados, governistas e oposição, mensaleiros e cachoeiristas,
sairão derrotados. Mas, se é assim, e se estamos mesmo diante de uma
guerra de extermínio entre gangues rivais da política, o Brasil sairá
ganhando. A bomba atômica fez nascer o Japão da paz, como diria Gilberto
Gil. E o cogumelo nuclear pode também estar gestando um sistema
político mais saudável no Brasil.
Transparência, liberdade e o fim da hipocrisia só podem fazer bem a
um país. Quem sabe se, depois disso, brotam do pântano as flores do mal.
Fonte: Brasília 247 - 11 de May de 2012 às 06:57
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